TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

700 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II – Fundamentação 4. O problema de constitucionalidade a decidir no presente processo está conexionado com a questão infraconstitucional decidida pelo já citado acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tri- bunal de Justiça de 3 de outubro de 2008, mas não se confunde com ela. Aliás, não só não compete a este Tribunal sindicar tal entendimento, como o mesmo entendimento constitui o pressuposto da questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente. Naquele acórdão, o Supremo Tribunal de Justiça, comparando a natureza e função das penas privativas da liberdade de natureza criminal com a natureza e função das medidas cautelares e das medidas tutelares de internamento previstas na Lei Tutelar Educativa, decidiu que no âmbito desta última a omissão de previsão de um mecanismo de desconto do tipo daquele que se encontra previsto no artigo 80.º do Código Penal é intencional, pelo que inexiste lacuna justificativa do recurso à analogia. Na parte que releva para o presente processo, o artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal, epigrafado «Medidas processuais», determina o seguinte: «(…) A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são desconta- das por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas. (…)» A aplicabilidade de uma regra análoga no âmbito da Lei Tutelar Educativa teria como consequência que, nos casos em que tivesse sido aplicada uma medida cautelar de guarda do menor em centro educativo (de regime semiaberto ou fechado), a duração de tal medida deveria ser descontada no prazo fixado para a dura- ção da medida tutelar educativa de internamento em centro educativo a aplicar ao mesmo menor. Contudo, não foi esse o entendimento sufragado no citado acórdão de Uniformização de Jurisprudência.   E, sendo esta a situação normativa a considerar com referência à Lei Tutelar Educativa – já que, recorde- -se, a correção daquela interpretação do direito infraconstitucional não está em causa no presente recurso de constitucionalidade –, entende o recorrente existir uma “gravíssima afronta ao Princípio da Igualdade, na medida em que se está a tratar de modo manifestamente desfavorável um Menor em relação a um Adulto que tenha praticado os mesmos factos ilícitos” naqueles casos em que no âmbito da citada Lei, e tal como lhe aconteceu a ele, à aplicação de uma medida cautelar restritiva da liberdade individual sucede a aplicação de uma medida de tutela igualmente restritiva daquela liberdade. Com efeito, a aplicação da medida tutelar educativa de internamento em regime semiaberto pressupõe que o menor tenha “cometido facto qualificado como crime contra as pessoas a que corresponda pena máxima, abstratamente aplicável, de prisão superior a três anos ou tiver cometido dois ou maios factos qualificados como crimes a que corresponda pena máxima, abstratamente aplicável, superior a três anos” (cfr. o artigo 17.º, n.º 3, da Lei Tutelar Educativa). Assim, para o recorrente, a diferença de regimes aplicáveis no âmbito do Código Penal e da Lei Tutelar Educativa relativamente à consideração no momento de determinar as consequências pela prática de factos qualificados como crimes de anteriores restrições à liberdade individual decretadas no mesmo processo a título cautelar é injustificada e, como tal, arbitrária. 5. OTribunal Constitucional pode apreciar a razoabilidade e a coerência interna de soluções normativas infraconstitucionais. Todavia, não é qualquer incoerência ou desarmonia que justifica uma censura do ponto de vista da constitucionalidade. Como este Tribunal afirmou no seu Acórdão n.º 546/11 (disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ) :

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