TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
70 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A esgotante medida em que o direito ao exercício da atividade profissional dos marítimos é negado aos cidadãos oriundos de países terceiros não integrados na União Europeia, com base no critério da nacionali- dade, é confirmada pela extensão dos escalões e categorias compreendidos em tal atividade, de acordo com a tipologia definida nos artigos 4.º a 7.º do «Regulamento relativo à classificação, às categorias e às funções dos marítimos e aos requisitos de acesso às mesmas», constante do anexo III ao Decreto-Lei n.º 280/2001. Dando concretização ao disposto no artigo 22.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 280/2001 – norma segundo a qual, “todos os marítimos são titulares de uma categoria a que corresponde determinado conteúdo funcional” –, o Regulamento em causa enuncia, nos respetivos artigos 4.º a 7.º, as categorias que, por escalão, se encon- tram compreendidas na atividade profissional dos marítimos, e determina, no seu artigo 50.º, que o exercí- cio de funções correspondentes a qualquer delas em embarcações sujeitas à Convenção STCW, se encontra condicionado à titularidade dos respetivos certificados profissionais, em conformidade com o disposto no «Regulamento relativo à formação e à certificação dos marítimos», constante do anexo IV ao Decreto-Lei n.º 280/2001. Do enunciado daquelas categorias, em conjugação com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 280/2001, resulta que a reserva no acesso à inscrição marítima a cidadãos nacionais e aos cida- dãos de certos Estados estatuída no artigo 4.º, n.º 2, do mesmo Decreto-Lei, ora sob fiscalização, redunda na exclusão da possibilidade de todos os outros indivíduos não nacionais de exercerem as funções de marítimos, de acordo com qualquer uma das categorias legalmente previstas – oficiais, mestrança e marinhagem. Em suma, negada a possibilidade de requerer a inscrição marítima, fica igualmente vedada a possibili- dade do exercício de qualquer atividade profissional própria do marítimo. Assim configurado, acaba por ser o próprio direito à livre escolha da profissão de marítimo, em toda a sua extensão, que constitui o objeto da restrição baseada no critério da nacionalidade – e não apenas uma sua projeção autonomizável ou particula- rizável em função das especificidades do contexto. Deste modo, a exceção ao princípio da equiparação constante do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 280/2001 não se pode ter como inscrita no domínio das aludidas autorrestrições. Por isso mesmo, a lici- tude constitucional do regime diferencial que na mesma se contém está dependente apenas da verificação dos pressupostos que condicionam o alargamento pelo legislador ordinário do catálogo dos direitos reservados a cidadãos portugueses. 10. Da vinculação constitucional da lei ampliadora dessa reserva decorrem pressupostos que conferem à permissão constante do n.º 2 do artigo 15.º um “alcance relativamente reduzido” (assim, vide Jorge Pereira da Silva, ob. cit., anot. XII ao artigo 15.º, p. 278). Conforme notado na doutrina, as “exceções a estabele- cer por lei ordinária […] não são livres – o legislador não é convocado para delimitar a hipótese da norma constitucional de equiparação –, pelo menos no que respeita aos direitos liberdades e garantias, devendo as leis que eventualmente reservem direitos deste tipo para cidadãos portugueses ser consideradas leis restriti- vas e sujeitas às condições de legitimidade estabelecidas no artigo 18.º [… Por assim ser,] a reserva por via legislativa de certos direitos aos cidadãos portugueses só é justificável em relação a direitos que tenham fortes implicações de caráter social, desde que haja um valor constitucional que justifique o exclusivo para nacio- nais, e com respeito pelos princípios da universalidade e da proporcionalidade” (cfr. Vieira de Andrade, ob. cit., pp. 128-129). O mesmo entendimento vem sendo seguido na jurisprudência deste Tribunal, nomeadamente no seu Acórdão n.º 345/02: «[O] estatuto constitucional do estrangeiro admite exceções ao princípio da equiparação, como resulta inequi- vocamente da leitura da norma constitucional. Não obstante, esses desvios constituem restrições a tal princípio e, nessa medida – o que é um aspeto funda- mental do regime dos direitos, liberdades e garantias – encontram-se as mesmas submetidas ao regime do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, sendo, como tal, limitadas ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
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