TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

69 acórdão n.º 96/13 titucionalmente legítima, se for exigida pela salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmen­te protegido, e se se limitar ao necessário para assegurar tal salvaguarda. Nesta perspetiva, a medida restritiva deverá subordinar-se ao prin­cípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade em sentido amplo, com as suas três dimensões – necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido restrito (cfr. o Acórdão n.º 340/95) −, daqui resultando que, quanto aos direitos que a Constituição consente que possam ser coloca- dos pelo legislador ordinário sob reserva da nacionalidade, tal reserva não poderá ser desnecessária, arbitrária ou desproporcionada, sob pena de esvaziamento e inutilização do próprio princípio da equiparação consa- grado no n.º 1 do artigo 15.º (cfr. os Acórdãos n. os 54/87, 423/01, 72/02 e 345/02). A esta luz, cumpre analisar se a reserva do acesso à atividade profissional dos marítimos, por via da limi- tação da possibilidade de inscrição marítima aos cidadãos nacionais de países integrados na União Europeia ou residualmente abrangidos por convenção que expressamente a prevejam, consignada no artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 280/2001, de 23 de outubro, exceciona, em termos materialmente legítimos, o princípio da equiparação consagrado no n.º 1 do artigo 15.º da Constituição. 9. Considerada a natureza do direito cujo gozo é diferenciado em razão da nacionalidade, pode afirmar- -se que a exceção ao princípio da equiparação prevista naquele preceito não se inscreve no âmbito de qual- quer uma daquelas que a Constituição diretamente prescreve – e que constituem, por isso mesmo, autorres- trições constitucionais ao princípio da equiparação (assim, vide Jorge Pereira da Silva, ob. cit. , anot. VI ao artigo 15.º, p. 269): os direitos políticos, o exercício de funções públicas sem caráter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição aos cidadãos portugueses. Se quanto aos direitos políticos e aos direitos reservados pelo próprio texto constitucional aos cidadãos portugueses, a ausência de zonas de sobreposição é evidente, a mesma conclusão tornar-se-á igualmente clara em face da reserva constitucional a cidadãos nacionais do exercício de funções públicas sem caráter predo- minantemente técnico, tendo em conta que, como referido, estas são definidas a partir da sua dimensão de autoridade. Apropriadamente densificado, tal conceito de «funções sem caráter predominantemente técnico» compreenderá os cargos que impliquem atribuições que concorrem para a definição autoritária de direitos – como sucede com as magistraturas −, as posições que atribuem competência para condicionar o exercício da liberdade de autoconformação individual – como se verifica quanto às forças de segurança −, como ainda os cargos superiores da Administração Pública, na medida em que lhes seja conferida competência para, na prossecução do interesse público, definir autoritariamente e através do exercício de amplos poderes discri- cionários, a situação dos cidadãos que com ela se relacionem (cfr. Jorge Pereira da Silva, ob. cit., anot. VIII ao artigo 15.º, passim ). A atividade profissional própria do marítimo ou marinheiro compreende, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 280/2001, toda a atividade exercitável, como tripulante (cfr. o artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma), a bordo de embarcações de comércio, de pesca, rebocadores, de investigação, auxiliares e outras do Estado. Na medida em que a enunciação do tipo de embarcações a que se encontra funcionalmente indexada a definição legal da atividade profissional dos marítimos é esgotante – no sentido em que não são configuráveis embarcações de tipo diverso daqueles que a norma expressamente contempla –, o n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 280/2001, ao negar o acesso à categoria de marítimos aos indivíduos que não sejam nacionais de países integrados na União Europeia ou, residualmente, abrangidos por qualquer dis- posição de sentido contrário, priva-os, em razão da respetiva nacionalidade, não apenas da possibilidade de desempenharem qualquer cargo a bordo de embarcações associadas ao exercício da soberania nacional ou ao desempenho de funções decorrentes do exercício de poderes de autoridade – como sejam as de fiscalização ou de policiamento –, mas, genérica e amplamente, do exercício de qualquer conjunto de tarefas, competências, deveres ou responsabilidades a bordo de qualquer tipo de embarcação, incluindo daquelas que, por serem de comércio ou de pesca, em nenhum momento se intercetam, pelo menos de forma necessária, com a compo- nente política ou a dimensão de autoridade e soberania em que se fundam as autorrestrições constitucionais ao princípio da equiparação baseadas na natureza da função sob reserva.

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