TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
677 acórdão n.º 175/13 necessárias para o exercício de tal direito. Tais condições são, porém, delimitadas por outros princípios processuais, tais como a celeridade ou a proibição de atos inúteis. A prática de atos (no caso, a apresentação de um requeri- mento) de modo a não permitir a inteligibilidade do núcleo essencial da peça processual produzida não justifica nem legitima a imposição de um convite ao aperfeiçoamento (que, como se disse, seria antes a concessão da pos- sibilidade de renovação do ato). 7. Por fim, deve ter‑se presente que o reconhecimento da possibilidade de “renovação” do ato em questão implicaria uma compressão dos direitos de defesa do arguido, já que a consagração de um prazo para o assistente requerer a abertura da instrução concretiza a garantia de defesa inerente à fixação da situação processual do arguido que a não pronúncia origina. Ora, não se vislumbra fundamento legítimo para tal compressão, já que a instrução não teve lugar devido a uma atuação processual dos assistentes manifestamente deficiente (de resto, os próprios assistentes reconhecem nos presentes autos as deficiências do requerimento apresentado). Nessa medida, a aludida compressão não é admissível (cfr., em sentido próximo, o Acórdão n.º 27/01, já citado). (…)» Mais recentemente, no seu Acórdão n.º 636/11, discutiu este Tribunal a questão de saber se o legislador é livre para poder dispensar o convite ao aperfeiçoamento de um requerimento para abertura de instrução, apresentado pelo assistente, que não respeite as exigências essenciais de conteúdo impostas pelo n.º 2 do artigo 287.º do CPP, e não ocorrendo nenhuma das causas de rejeição previstas no n.º 3 do mesmo preceito, ou se, pelo contrário, a formulação de tal convite lhe é constitucionalmente imposta. Ora, a interpretação normativa questionada no presente recurso de constitucionalidade só não é compatível com a Constituição, caso a formulação de tal convite correspondesse a uma exigência constitucional. Porém, não é assim, con- forme argumentado no citado Acórdão n.º 636/11: «(…) 8. Em processo criminal, e de acordo com o n.º 7 do artigo 32.º da CRP, “o ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei”. O preceito, acrescentado pela revisão de 1997, tornou explícito o que já antes, por interpretação, poderia concluir-se. Conforme disse o Tribunal no Acórdão n.º 24/88 – que julgou inconstitucional a parte da norma do n.º 4 da Base V da Lei n.º 7/70, de 9 de Junho, que proibia a concessão de assistência judiciá- ria aos ofendidos que quisessem constituir-se assistentes no exercício da ação penal por crimes públicos – já antes de 97 decorria da Constituição, mormente do seu artigo 20.º, a necessidade de, por alguma forma, o legislador ordinário proteger “o interesse do ofendido em contribuir para a sujeição a julgamento do ou dos autores do crime de que foi vítima.” ( Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º Volume, p. 531). Assim, ao acrescentar às “garantias de processo criminal” consagradas no artigo 32.º o seu atual n.º 7, a quarta lei de revisão constitucional apenas deixou explícito o que antes, por interpretação, já poderia concluir-se: face à CRP, a lei ordinária deve conformar as normas de processo de forma a não desconsiderar o “interesse” do ofendido na realização da justiça penal. É neste contexto que os artigos 68.º a 70.º do Código de Processo Penal definem o estatuto processual do assistente. A explicitação que, em 1997, se fez da tutela constitucional deste estatuto não pode no entanto obnubilar três aspetos essenciais que marcam a conformação, constitucionalmente devida, das normas de direito processual penal. O primeiro desses aspetos é o relativo à natureza iniludivelmente pública do processo penal. Não é pelo facto de a Constituição ter passado, depois de 1997, a referir‑se expressamente, em sede de “garantias de processo crimi- nal”, à condição jurídico-processual do ofendido, que o referido processo deixou de ser o que era, passando agora a poder identificar-se como um litígio em que a acusação, enquanto “parte”, oponha os seus interesses próprios à outra “parte”, a defesa. Como o Tribunal sempre tem dito (veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 358/04, dispo- nível em www.tribunalconstitucional.pt ) , não sendo o processo penal constitucionalmente configurável como um processode “partes”, não pode também o textual reconhecimento do direito do ofendido a nele intervir ser lido como se tratasse de uma autorização para conformar as respetivas regras de acordo com uma matriz despublicizada, que a Constituição não acolhe.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=