TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
674 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, no contexto de todo o processado, a formulação adotada no requerimento do recurso de consti- tucionalidade, para além do seu significado objetivo inerente àquele ato processual, não visa outra coisa que não seja o de (re)propor, agora perante o Tribunal Constitucional, a (mesma) questão de inconstitucionali- dade já apreciada e decidida pelo Tribunal da Relação de Lisboa. O inciso «se lhe for dada a interpretação» não tem, por isso, um alcance condicional em sentido próprio («para a hipótese de vir a ser dada a inter- pretação») – aliás, seria ininteligível atento o momento processual em que é apresentado o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade –, mas sim afirmativo («sendo-lhe dada a interpretação» ou, porventura, «sempre que lhe seja dada a interpretação»). 7. Por outro lado, também não se afigura razoável ver na diferente qualificação da irregularidade do requerimento de abertura de instrução uma falta de correspondência entre o critério normativo aplicado na decisão recorrida e aquele que é submetido pelo recorrente à apreciação deste Tribunal. Uma coisa são os valores negativos correspondentes a determinados vícios de que enfermam os atos processuais, outra coisa são os vícios ou deficiências dos atos em si mesmos considerados. In casu não há dúvida de que estão em causa deficiências ou insuficiências derivadas do teor do próprio requerimento para abertura da instrução – mais exatamente a omissão indevida de certos elementos ou de certas indicações, em especial as mencionadas nas alíneas b) e c) do artigo 283.º, n.º 3, do CPP – oportu- namente apresentado pelo então assistente e ora recorrente (cfr. o artigo 287.º, n.º 2, in fine , do CPP). Hoc sensu aquele requerimento é irregular – e irregular por não conter todas as indicações legalmente exigidas – sem que esta qualificação envolva qualquer compromisso com o valor jurídico negativo imputável a tal irregularidade. Por aquilo que se diz ou omite no requerimento em apreço, o mesmo não cumpre as exigên- cias legais. A divergência entre o recorrente e o tribunal recorrido situa-se precisamente na determinação das conse- quências processuais de tais deficiências. E, neste aspeto, é igualmente claro que a gravidade das deficiências de atos concretos, mormente o seu afastamento relativamente ao tipo legal respetivo, pode ser tão grande ou tão grave que justifique a não qualificação ou a descaracterização jurídica desses atos: os mesmos não poderão então valer nem ser considerados para os fins com que foram praticados e em vista dos quais a lei os tipifica. Ou seja, e com referência ao requerimento para abertura da instrução: as suas insuficiências podem revestir uma gravidade tal que comprometam em absoluto a sua função. Pode então discutir-se, nomeadamente no quadro da teoria das invalidades, se está em causa a realização imperfeita (ou, nos casos de ato inexistente ou de ato nulo, mesmo a «não realização in totum ») da previsão da norma relativa a certo ato típico ou a realização da previsão de norma paralela àquela que prevê o ato válido. Em qualquer dos casos, todavia, o quid que se pretende fazer valer como realização do ato normativamente previsto tem de ser apreciado e valorado («qualificado») para efeitos de se lhe imputar todos, alguns ou mesmo nenhum dos efeitos jurídicos estatuídos com referência ao ato válido. E, nesse contexto, pode falar-se em atos irregulares, em atos nulos (sanáveis ou não sanáveis) e, até, em atos inexistentes. No caso sub iudicio , para o recorrente, a omissão no requerimento para abertura de instrução das indi- cações a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º do CPP redunda numa mera irregularidade suscetível de ser corrigida, no seguimento de um convite ao aperfeiçoamento daquele mesmo requerimento; já para o acórdão recorrido, as mesmas omissões determinam uma nulidade insanável daquele requerimento, uma vez que as indicações omitidas são de tal modo essenciais, que um eventual convite ao aperfeiçoamento redundaria, afinal, num novo ato (a “repetição do ato”, e não no suprimento de deficiências de um ato anterior). O Ministério Público tem razão quando afirma que no acórdão recorrido as deficiências detetadas no próprio requerimento, isto é, no seu teor, “porque têm a ver com o conteúdo e núcleo essencial do próprio requerimento”, foram consideradas “substanciais”, e que, por isso mesmo, se entendeu justificar “o não convite ao aperfeiçoamento”. Todavia, é precisamente este juízo sobre a gravidade do tipo de vícios de que enferma o requerimento de abertura da instrução no presente caso que o recorrente pretende questionar mediante o presente recurso de constitucionalidade. Segundo ele, interpretar o artigo 287.º, n.º 2, do CPP, quando não se
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