TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
67 acórdão n.º 96/13 B) As questões de inconstitucionalidade e a ordem do seu conhecimento 7. Tal como se encontra configurado pelo Provedor de Justiça, o problema de constitucionalidade a resol- ver consiste em verificar se, ao excluir do universo dos titulares da faculdade de requerer a inscrição marítima os nacionais de países terceiros não incluídos na União Europeia e residualmente não abrangidos pelo regime que em contrário possa constar de convenções ou em outros instrumentos internacionais em vigor no orde- namento jurídico nacional, a norma constante do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 280/2001, de 23 de outubro, é inconstitucional, por violação, quer do princípio da equiparação consagrado no n.º 1 do artigo 15.º da Constituição, quer da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República definida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Lei Fundamental. Para o Provedor de Justiça, com efeito, a invocada inconstitucionalidade material da norma sob fiscalização resulta da diferenciação de tratamento com base na cidadania sem fundamento material bastante, no que se refere ao acesso à inscrição marítima junto das autori- dades portuguesas e da consequente violação do disposto no artigo 15.º, n.º 1, da Constituição (cfr. o n.º 63 do requerimento de fiscalização da constitucionalidade). E este vício material da norma em apreço coexiste com um outro vício da mesma norma – agora um vício de natureza orgânica –, seja porque todas as exceções legais ao princípio da equiparação têm de ser determinadas mediante lei formal da Assembleia da República (assim, o n.º 17 do requerimento inicial), seja porque está em causa “uma verdadeira restrição à liberdade de escolha de profissão” – que integra o elenco dos direitos, liberdades e garantias – e, no tocante ao tratamento constitucional de estrangeiros e apátridas, existe em relação à determinação de exceções ao princípio da equi- paração uma verdadeira reserva de lei, “a qual configura também uma reserva de competência da Assembleia da República, sempre que estejam em causa direitos, liberdades e garantias, por força do disposto no artigo 165.°, n.º 1, alínea b) , da Constituição” (cfr. os n. os 18 e 65 a 67 do mesmo requerimento). A conformidade constitucional do regime constante do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 280/2001 encontra-se, assim, questionada sob um duplo ponto de vista, supondo este, no plano material, a confrontação da diferenciação de tratamento no âmbito do acesso à atividade profissional dos marítimos, por efeito da inter- venção de um critério distintivo baseado na nacionalidade, com o princípio da equiparação dos estrangeiros e apátridas consagrado no n.º 1 do artigo 15.º da Constituição, e, no plano orgânico, a consideração daquela diferenciação na sua relação com a competência para a emanação da norma que a estabelece, de acordo com as regras de produção jurídica estabelecidas na Constituição. Tal não obsta a que o referente paramétrico comum a ambas as perspetivas se centre no princípio da equiparação dos estrangeiros e apátridas, consagrado no n.º 1 do artigo 15.º da Constituição, já que o mesmo princípio constitui um verdadeiro pressuposto da própria questão orgânica: esta só se coloca porque, em princípio, os estrangeiros e apátridas que se encontram ou resi- dam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português. Justifica-se, por conseguinte, começar por analisar a alegada violação daquele princípio pela norma sindicada pelo requerente. Acresce que foi também esse o percurso seguido pelo Provedor de Justiça, ao perspetivar as questões de inconstitucionalidade como um concurso (efetivo) de vícios ou como a violação de diferentes normas constitucionais – um princípio material e uma regra de competência – por uma única norma de direito ordinário. Com efeito, o requerente estrutura o seu pedido de fiscalização, começando por arguir a inconstitucionalidade material do artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 280/2001, de 23 de outubro – a violação do princípio da equiparação; e, só depois, argui a sua inconstitucionalidade orgânica – a violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República. C) A inconstitucionalidade material da norma objeto de fiscalização 8. Como se afirmou no Acórdão deste Tribunal n.º 345/02 (disponível, assim como os demais referidos no presente aresto, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ) , pode dizer-se que, no tocante ao critério diferenciador baseado na nacionalidade, o princípio da igualdade é objeto de uma consideração e concretização próprias no artigo 15.º da Constituição, mormente nos seus n. os 1 e 2, pelo que tal preceito
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