TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
658 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o aproveitamento individualizado que dela fez o sujeito passivo (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, p. 207). É pois fundamentalmente o facto de as taxas não visarem a satisfação de necessidades financeiras gerais do Estado, em função da capacidade contributiva dos sujeitos passivos e no cumprimento de um dever de solidariedade, que explica que a concreta criação destes tributos não esteja subordinada ao princípio da reserva de lei formal e, logo, não tenha de ocorrer através de lei em sentido formal [cfr. artigo 165.º, n.º 1, alínea i) , da CRP]. Em função da visão dicotómica tradicional, abundam os casos em que o Tribunal Constitucional, em face da não verificação desse caráter bilateral ou sinalagmático, concluiu que as receitas coativas em causa, apesar de formalmente designadas por “taxas” ou “tarifas”, deveriam na realidade reconduzir-se à categoria dos impostos, gerando a inconstitucionalidade orgânica das normas que as criaram (cfr., entre outros, os Acórdão n. os 369/99, 558/98, 437/03, 63/99, 127/04, 247/04, disponíveis e m www.tribunalconstitucional.pt ). Cumpre, no entanto, sublinhar que a jurisprudência constitucional tem reservado esta conclusão para aqueles casos em que exista uma “desproporção intolerável” entre o montante pago pelo sujeito passivo a título de taxa e o custo do bem ou serviço prestado (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 369/99, 1140/96, 22/00, 227/01, 68/07 e 410/10, todos disponíveis e m www.tribunalconstitucional.pt ). A revisão constitucional de 1997 contribuiria decisivamente para o claudicar da visão dicotómica enun- ciada, lançando no quadro das receitas coativas o tertium genus que as demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas indiscutivelmente representam. Alguma doutrina evidencia o caráter “híbrido” desta terceira espécie, que se aproxima dos impostos – em função da ausência de uma contrapartida individualizada – mas também das taxas – já que visa retribuir o serviço prestado por uma entidade pública a um conjunto homogéneo de entidades – reconduzindo-se, nessa medida, ao conceito de parafiscalidade [assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 2007, p. 1094; e também Cardoso da Costa, «Sobre o princípio da legalidade das “taxas” e (das demais contribuições financeiras», in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no Centenário do seu Nascimento, Coimbra Editora, 2006, p. 805]. Trata-se, porém, de uma categoria dotada de grande heterogeneidade, onde, para alguns, cabem figu- ras tão díspares como as contribuições para a segurança social, as taxas de regulação económica, o tributos associativos devidos às ordens profissionais e até os modernos tributos ambientais e impostos especiais pelo consumo (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, cit., pp. 223 e segs.). Para outros, as contribuições financeiras ligam-se a três tipos de tributos: as contribuições financeiras propriamente ditas, que valem como “instrumentos de financiamento de novos serviços de interesse geral”, as contribuições parafiscais, que se des- tacam como “instrumento de financiamento de novas entidades administrativas cuja atividade beneficia um grupo homogéneo de destinatários”, e ainda as contribuições extrafiscais, que servem como “instrumentos de orientação de comportamentos” (neste sentido, Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2.ª edição, no prelo, pp. 78 e segs.). Teve o Tribunal Constitucional, aliás, oportunidade de alinhar com esta nova classificação tripartida, a propósito das taxas de regulação cobradas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que expres- samente qualificou já não como imposto ou taxa, mas como contribuição financeira (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 365/08 e 613/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Nestes arestos, ficou, porém, patente que a superação da classificação dicotómica não logrou solucionar plenamente os problemas ligados ao princípio da reserva de lei formal. Com efeito, à semelhança do que vale para as taxas, o legislador cons- tituinte não submeteu à reserva de lei em sentido formal a criação, em concreto, de cada contribuição finan- ceira, mas apenas o respetivo “regime geral”. Em face da omissão legislativa que permanece neste domínio, a doutrina indaga se, até à elaboração daquele regime, a criação e disciplina das contribuições pode ser levada a cabo pelo Governo através de decreto-lei simples, ou se, pelo contrário, carece de intervenção parlamentar. Ora, avultam quanto a esta matéria, fundamentalmente, duas posições: a daqueles que sustentam que, até à emanação do mencionado regime geral, as contribuições financeiras devem reconduzir-se ao regime
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