TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
655 acórdão n.º 152/13 É assim possível concluir que através da definição administrativa da base de incidência real do tributo em causa, e porque considera suficiente para a inclusão de um assinante na mesma que este tenha a mera possibilidade de utilização e não uma utilização efetiva do espectro radioelétrico, o ICP-ANACOM configura o tributo em causa como uma contribuição e não como uma taxa. Esta conclusão em nada é posta em causa pela argumentação da entidade impugnada quanto ao que se deve entender por “estação móvel”. Com efeito e ainda que das boas práticas ou normas técnicas resulte, como pretende a impugnante, que por estação móvel se deve entender o telemóvel associado a um cartão SIM suscetível de ser utilizado, mesmo que não ocorram “eventos cobráveis”, o problema permanece. Com efeito, a ativação do cartão SIM e a mera suscetibilidade de com o mesmo se poderem fazer utilizações efetivas do espectro não significa que estas ocorram, e mesmo que como, como alega a impugnada, a mera exis- tência de um cartão SIM ativo gere uma utilização, que de resto a própria entidade impugnada admite que será meramente pontual, essa utilização nunca terá a mesma intensidade que a de um “evento cobrável”, pelo que a tributação das situações do mesmo modo não reflete uma tributação da utilização efetiva do espectro. Por outro lado, e insista-se, não resulta da LCE que se deva entender como base de incidência real da “taxa de utilização” as “estações móveis” no entendimento que das mesmas tem a impugnante. Ora, ainda que, obviamente, nada impeça a criação de contribuições financeiras, a mesma deve obedecer aos ditames constitucionais. Com efeito, até à revisão constitucional de 1997 as contribuições financeiras eram consideradas pela doutrina e jurisprudência como devendo ser sujeitas à reserva de lei parlamentar, sendo para esse efeito tratadas como ver- dadeiros impostos (…). Por força da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP foi alterado, passando ali a prever-se expressamente as “contribuições financeiras a favor das entidades públicas” (como referem expressivamente Canotilho/Moreira, ao mencionar as contribuições “a Constituição parece ter dado guarida ao controverso conceito de parafiscalidade” (…) e a fixar-se a reserva de lei parlamentar para a criação do respetivo regime geral. Quanto a esta matéria subscreve-se a posição doutrinária que vai no sentido de considerar que não faz qual- quer sentido que o legislador constituinte com esta alteração à Lei Fundamental tivesse pretendido “facultar de modo incondicional ao Governo a criação de tributos com estrutura híbrida e os contornos fugidios das modernas contribuições mas antes subordinar essa faculdade à edição prévia de um regime geral que lhes fixe os princípios estruturantes e elementos essenciais”, sendo a emissão desse regime geral “uma condição indispensável para asse- gurar a legitimação material destas contribuições”, pelo que não é de admitir que ao abrigo do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP se criem contribuições financeiras por decreto-lei simples, e muito menos por ato administrativo, como é o caso, sem que antes “seja estabelecido por lei parlamentar o regime geral que lhe dê o necessário enquadramento”, devendo assim entender-se que até à criação do regime geral das contribuições finan- ceiras a favor das entidades públicas previsto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, deve considerar-se que a cria- ção e definição da disciplina das contribuições se encontra subordinada à reserva de lei integral (…) que abrange a definição da respetiva incidência real. Recorde-se que não é só a própria entidade impugnada quem, define a base de incidência objetiva do tributo, através de um ato administrativo, como ao fazê-lo acaba por definir em concreto a natureza jurídica do mesmo, natureza jurídica relativamente à qual a LCE não toma partido, como já foi referido. Daqui se conclui a impugnante tem razão quando alega que a liquidação sub judice é ilegal por violação de um comando constitucional, concretamente por do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, pois até à criação do regime geral das contribuições financeiras a favor das entidades públicas que ali é previsto deve considerar-se que a criação e definição da disciplina das contribuições se encontra subordinada à reserva de lei integral, pelo que a liquidação em causa, ao fundar-se numa definição da base de incidência da contribuição ilegal por organicamente inconstitucional, é também ela ilegal, devendo por esse motivo ser integralmente anulada. (…)»
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