TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

64 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL reserva de lei, a qual configura também uma reserva de competência da Assembleia da República, sempre que estejam em causa direitos, liberdades e garantias, por força do disposto no artigo 165.°, n.º 1, alínea b) , da Constituição. 66. A circunstância de nacionais de países terceiros estarem impedidos de fazer a sua inscrição marítima junto das autoridades portuguesas configura uma exceção ao princípio da equiparação consagrado no artigo 15.°, n.º 1, da Constituição, materializando, neste caso, uma verdadeira restrição à liberdade de escolha de profissão, na medida em que aquela inscrição, verificados que estejam os demais requisitos legais, é condição de ingresso na atividade profissional dos marítimos. 67. A liberdade de escolha de profissão integra o elenco dos direitos, liberdades e garantias, cuja restrição só pode ser definida por lei, sinonimizando lei da Assembleia da República ou decreto-lei autorizado do Governo [artigo 18.°, n. os  2 e 3, conjugado com a alínea b) do n.º 1 do artigo 165.° da Constituição]. 68. De resto, conforme bem sedimentada jurisprudência do Tribunal Constitucional, “a reserva legislativa parlamentar em matéria de direitos, liberdades e garantias abrange ‘tudo o que seja matéria legislativa e não apenas as restrições do direito em causa’”, na evocação que o Acórdão n.º 255/02 faz do Acórdão n.º 128/00. 69. Nesse mesmo Acórdão n.º 255/02, o Tribunal Constitucional pôs em relevo a “consideração de que a fixação de condições específicas para o exercício de determinada profissão ou atividade profissional se enquadra no contexto da liberdade de escolha de profissão regulada no artigo 47.° da Lei Fundamental e, portanto, constitui matéria da exclusiva competência legislativa da Assembleia da República, por tratar de matéria de direitos, liber- dades e garantias”. 70. Da fundamentação, sobre a qual o Tribunal Constitucional gizou a sua decisão, sobressai ainda o seguinte: «(…) como a competência para legislar sobre restrições aos direitos, liberdades e garantias pertence exclusiva- mente ao Parlamento (salvo autorização do Governo), daí decorre a inevitável inconstitucionalidade orgânica das normas em apreço. Para J. J. Gomes Canotilho, no domínio dos direitos fundamentais (mesmo no âmbito dos direitos, liberdades e garantias), “a reserva de lei não possui apenas uma dimensão garantística em face das restrições de direito; ela assume também uma dimensão conformadora-concretizadora desses mesmos direitos” ( Direito Constitucional, 5.ª edição, Almedina 1992, p. 801). Aliás, ainda que se entenda que em algumas das alíneas [citam-se as normas sub judicio ] se não preveem verdadeiras e próprias restrições, mas antes se revelam tão-só limites imanentes da liberdade de profissão, a conclusão será sempre idêntica. É que (…) a reserva parlamentar abrange «tudo o que seja matéria legislativa e não apenas as restrições” (…).» 71. À luz deste entendimento do Tribunal Constitucional, não se duvida que o Governo, ao preceituar sobre as condições de acesso e exercício da atividade profissional dos marítimos, estabelecendo condicionamento associado à cidadania, o qual interfere, a montante, com o direito de escolher livremente a profissão em causa, legislou sobre matéria de direitos, liberdades e garantias. 72. E fê-lo sem que se tenha munido da devida lei de autorização, ao invés reclamando legislar sobre matéria não reservada à Assembleia da República. 73. Em face do que antecede, tendo o Governo aprovado norma que restringe a liberdade de escolha de profis- são, com base no critério da nacionalidade, fazendo uso, em desconformidade com a Constituição, da credencial constante da parte final do n.º 2 do artigo 15.° da Lei Fundamental e legislando a descoberto de autorização legis- lativa é inequívoco, outrossim, que, ao assim proceder, desrespeitou a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República. 74. Pelo que a norma em causa é também organicamente inconstitucional, por violação do artigo 165.°, n.º 1, alínea b) , da Constituição.» 2. Notificado para se pronunciar sobre o pedido, o Primeiro-Ministro veio oferecer o merecimento dos autos, fazendo acompanhar a sua resposta, todavia, de um parecer elaborado pelo Centro Jurídico da Presi- dência do Conselho de Ministros.

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