TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
638 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A igualdade assume-se como um conceito relativo, que só adquire significado relevante no contexto de uma comparação. Por outro lado, a análise comparativa pressupõe a eleição de determinado critério, à luz do qual se esta- belecerá a relação de identidade ou diferenciação. “Estando em causa (…) um determinado tratamento jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais situações como iguais ou desiguais é determinado diretamente pela ratio do tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, funcionalizado pelo fim a atingir com o referido tratamento jurídico. A ratio do tratamento jurídico é, pois, o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério.” (Maria da Glória F. P. D. Garcia, Estudos sobre o princípio da igualdade , Almedina, 2005, p. 51). Refere a mesma Autora que a escolha do critério de qualificação da igualdade consubstancia o ponto nevrálgico do princípio que analisamos, “pois é o critério que irá introduzir coerência interna entre as situa- ções iguais e o tratamento igual” ( ibidem, p. 55). Oprincípio da igualdade compatibiliza-se, porém, comuma multiplicidade de critérios, apenas impondo que os mesmos não sejam arbitrários, mas assentem num fundamento material razoável e suficiente. Desta forma, a “escolha última dos critérios residirá na liberdade de conformação dos poderes públicos, não sendo o princípio da igualdade minimamente afetado por tal escolha”, desde que “o critério escolhido encontre uma justificação razoável e suficiente no fim ou na ratio do tratamento jurídico” (Maria da Glória F. P. D. Garcia, op. cit. , p. 56). Assim, por forma a respeitar o espaço de conformação legislativa, o controlo judicial não se imiscui na escolha do critério determinante das distinções efetuadas para aferir da sua maior ou menor racionalidade ou oportunidade, mas apenas procede a uma sindicância da efetiva existência de um critério e do seu funda- mento justificante, que terá de ser objetivo, compreensível e suficiente face à ratio do regime. A este propósito, pode ler-se no Acórdão n.º 370/07 deste Tribunal Constitucional: «(…) a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de confor- mação legislativa, pertencendo-lhe, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. E, assim, aos tribunais, na apreciação daquele princípio, não compete verdadeiramente “substituírem-se” ao legislador, ponderando a situação como se estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução “razoável”, “justa” e “oportuna” (do que seria a solução ideal do caso); compete-lhes, sim “afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insuscetíveis de se credenciarem racionalmente” (acórdão da Comissão Constitucional, n.º 458, Apêndice ao Diário da República , de 23 de agosto de 1983, p. 120, (…). À luz das considerações precedentes pode dizer-se que a caracterização de uma medida legislativa como incons- titucional, por ofensiva do princípio da igualdade dependerá, em última análise, da ausência de fundamento mate- rial suficiente, isto é, de falta de razoabilidade e consonância com o sistema jurídico.» Já no Acórdão n.º 157/88 se referira, de modo idêntico: «(…) Retomando aqui, uma vez mais, o entendimento que este Tribunal vem perfilhando (na esteira, de resto, da Comissão Constitucional e da doutrina) acerca do sentido e alcance do princípio da igualdade, na sua função “negativa” de princípio de “controlo” (…), tudo estará em saber se, ao estabelecer a desigualdade de tratamento em causa, o legislador respeitou os limites à sua liberdade conformadora ou constitutiva (“discricionariedade” legisla- tiva) que se traduzem na ideia geral de proibição do arbítrio. Ou seja: tudo estará em saber se essa desigualdade se revela como “discriminatória” e arbitrária, por desprovida de fundamento racional (ou fundamento material bas- tante), atenta a natureza e a especificidade da situação e dos efeitos tidos em vista (e, logo o objetivo do legislador) e, bem assim, o conjunto dos valores e fins constitucionais ( i. e. , a desigualdade não há de basear-se num “motivo” constitucionalmente impróprio).»
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