TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

637 acórdão n.º 129/13 como contrapartida pelo exercício de idênticas funções, somente com fundamento na circunstância de terem ou não vínculo laboral à Administração Pública. 6. Analisemos, primeiramente, o diploma em que se insere a norma em apreciação. O Decreto-Lei n.º 60/2003, de 1 de abril, de acordo com o seu preâmbulo, corresponde a uma altera- ção legislativa destinada a promover a evolução do sistema de organização dos cuidados de saúde primários para um novo modelo, designado por rede de prestação de cuidados de saúde primários, que se pretende que constitua a base dos cuidados de saúde em geral, tendo como principal referência a ação dos centros de saúde e dos médicos de família. Este modelo prevê a coexistência, a par da ação do Estado, de entidades de natureza privada e social que possam colaborar na gestão e prestação de cuidados de saúde primários, segundo novos modelos organizacionais, cuja introdução, segundo o preâmbulo do diploma, se destina a inverter a ineficácia do sistema de saúde tradicio- nal, obviando a alguns problemas do Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente a existência de deficiências na acessibilidade e equidade dos cuidados de saúde e o crescimento descontrolado das despesas públicas. A responsabilidade do Estado na prestação dos cuidados de saúde primários implica, igualmente, a cons- tituição de equipas de saúde multiprofissionais, cuja ação demanda a correspondente responsabilização de uma liderança e a planificação das tarefas por objetivos, com incentivos à produtividade e qualidade assistencial. É neste contexto que o Decreto-Lei n.º 60/2003, de 1 de abril, prevê a figura dos coordenadores, incum- bidos de dirigir as unidades, que devem integrar os centros de saúde, de acordo com a respetiva orgânica. Nesse âmbito, compete-lhes “gerir as atividades inerentes às respetivas unidades, assegurando o seu funcionamento eficiente e a qualidade dos serviços e cuidados prestados”, prestando apoio ao diretor do centro de saúde e exercendo competências atribuídas ao mesmo, sob delegação do próprio (artigos 9.º, n.º 1, e 11.º, n. os 1 a 3). Os coordenadores são nomeados em comissão de serviço, pelo Conselho de Administração da Adminis- tração Regional de Saúde, sob proposta do diretor do centro de saúde, por um período de três anos, sendo o seu recrutamento feito “de entre indivíduos licenciados, vinculados ou não à Administração Pública que possuam experiência e perfil adequados ao exercício das respetivas funções.” (artigo 11.º, n.º 4, e 8.º, n.º 2). Não obstante o Decreto-Lei n.º 60/2003, que vimos de analisar, tenha sido revogado pelo Decreto-Lei n.º 88/2005, de 3 de junho, foi expressamente definido, no artigo 3.º, n.º 1, deste último diploma, que o pessoal dirigente que exerce funções, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 60/2003, “mantém, durante o período das atuais comissões de serviço, todas as condições de exercício profissional e regalias remuneratórias que lhe foram por aquele concedidas”, deixando assim clara a estabilidade das situações dos coordenadores das unidades. 7. Para verificarmos se a diferenciação remuneratória dos coordenadores dos centros de saúde, com fundamento na circunstância de terem ou não vínculo laboral à Administração Pública, se encontra em desconformidade com o princípio da igualdade, torna-se imperioso explicitar previamente o conteúdo deste princípio constitucional. Utilizando a síntese plasmada no Acórdão n.º 96/05 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt , onde poderão ser encontrados todos os arestos deste Tribunal, identificados infra ), podemos referir o seguinte: «(…) O princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental, tem como fun- damento a igual dignidade social de todos os cidadãos. São três as dimensões que o princípio convoca: (a) a proibi- ção do arbítrio, que torna inadmissível a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, apreciada esta de acordo com critérios objetivos de relevância constitucional, e afastando também o tratamento idêntico de situações manifestamente desiguais; (b) a proibição de discriminação, impedindo diferenciações de tratamento entre os cidadãos que se baseiem em categorias meramente subjetivas ou em razão dessas categorias; (c) e a obrigação de diferenciação, como mecanismo para compensar as desigualdades de oportunidades, que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (…).»

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