TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

63 acórdão n.º 96/13 Não obstante, esses desvios constituem restrições a tal princípio e, nessa medida – o que é um aspeto fun- damental do regime dos direitos, liberdades e garantias – encontram-se as mesmas submetidas ao regime do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, sendo, como tal, limitadas ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Na verdade, o princípio da proporcionalidade que aqui se surpreende exige – como se retira do longo acervo da jurisprudência constitucional nesta matéria – que as medidas restritivas legalmente previstas sejam o meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, ou seja, para a salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, sendo necessários para alcançar esses fins, que não poderiam ser atingidos com meios menos gravosos, mais se exigindo que os meios restritivos e os fins obtidas se situem numa “justa medida”.» 5 6. A esta luz, a conceção protecionista que flui do artigo 4.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 280/2001 consubstan- cia uma contração ao princípio da equiparação, numa medida restritiva que vai para aIém do justo e do necessário, afigurando-se excessiva. 57. E não se contra-argumente, em face do condicionamento criticado, disporem os estrangeiros, aos quais não seja permitido efetuar pedido de inscrição marítima junto das autoridades nacionais, de alternativa, a qual seja de desencadear, noutro país – como, por exemplo, no seu país de origem – um processo de reconhecimento da formação legalmente exigida para o exercício da atividade profissional dos marítimos, obtida em Portugal. 58. Não procede semelhante argumento, porquanto, para além da onerosidade que representa, para os interes- sados, uma tal alternativa, a mesma consubstancia hipótese cuja resposta fica, em última instância, na dependência da legislação e das autoridades do próprio país em que se pretenda obter o referido reconhecimento. 59. Novamente, não se vê como nacionais de países terceiros, ainda que possam fazer aqui a sua formação marí- tima, não tenham, no país que os acolhe, a possibilidade de fazer a sua inscrição marítima, ficando dependentes de um eventual processo de reconhecimento da sua formação noutro país e sem garantias, à partida, de lograr obter o respetivo deferimento. 60. Por outro lado, não se contra-argumente ainda que sempre sobeja, relativamente àqueles estrangeiros que reúnam os respetivos requisitos legais, a possibilidade de concretização da opção pela cidadania portuguesa. 61. É que, justamente, para além de ferir uma instrumentalização imposta dos mecanismos de concessão na nacionalidade para efeitos do gozo de direitos fundamentais, diametralmente oposta à conceção humanista e uni- versalista que alimenta o princípio da equiparação, o que está em causa é, afinal, um direito pessoal, cujo exercício depende da vontade do próprio. 62. Em sequência, sobressai de todo o exposto que o Governo, mediante o diploma a que o pedido se reporta, erigiu uma medida que veda a determinados cidadãos e em razão da sua nacionalidade a escolha da atividade pro- fissional dos marítimos. 63. Deste modo, o regime vertido no n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 280/2001 gera uma diferenciação de tratamento com base na cidadania, sem que se anteveja fundamento material bastante para a exclusão, como regime regra, dos nacionais de países terceiros do acesso à inscrição marítima junto das autoridades portuguesas, pelo que aquela diferenciação, sendo discriminatória, excessiva e desproporcionada, revela-se iníqua e redunda, no domínio vertente, numa “inutilização do próprio princípio da equiparação” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 54/87), em violação do disposto no n.º 1 do artigo 15.º da Constituição. II. Da violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República 64. Se assim é numa perspetiva substantiva, verifica-se, além disso, que coexiste, com a inconstitucionalidade material apontada ao condicionamento estabelecido no citado preceito do Decreto-Lei n.º 280/2001, um vício orgânico de inconstitucionalidade, em virtude de a determinação normativa em causa ter sido aprovada em viola- ção da reserva de lei imposta pelo artigo 165.°, n.º 1, alínea b) , da Constituição. 65. Com efeito, como ficou anteriormente explicitado, na invocação feita da doutrina e jurisprudência constitucio- nais em matéria de tratamento constitucional de estrangeiros e apátridas, existe em relação à determinação de exceções ao princípio da equiparação, para além das que sejam já estipuladas pela própria Lei Fundamental, uma verdadeira

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