TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

629 acórdão n.º 127/13 constitucional:­ a garantia constitucional da propriedade protege – no sentido que a seguir se identificará – os direitos patrimoniais privados e não apenas os direitos reais tutelados pela lei civil, ou o direito real máximo. O segundo ponto firme é o da dupla natureza da garantia reconhecida no artigo 62.º, que contém na sua estrutura tanto uma dimensão institucional-objectiva quanto uma dimensão de direito subjectivo. O terceiro ponto firme dirá respeito ao âmbito desta última dimensão, de radical subjectivo, que irá incluída na estrutura da norma jusfun- damental. A esta dimensão pertence, precisamente como direito “clássico” de defesa, o direito de cada um a não ser privado da sua propriedade senão por intermédio de um procedimento adequado e mediante justa compensação, procedimento esse especialmente assegurado no n.º 2 do artigo 62.º Para além disso – e como se disse no Acórdão n.º 187/01, § 14 – “a outras dimensões do direito de propriedade, essenciais à realização do Homem como pessoa (…), poderá também, eventualmente, ser reconhecida natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias”. Análise mais demorada exigirá agora a natureza, atrás referida, da garantia constitucional da propriedade enquanto garantia de instituto, objectivamente considerada.  Na verdade, a “garantia” que vai reconhecida no n.º 1 do artigo 62.º tem uma importante dimensão insti- tucional e objectiva, que se traduz, antes do mais, em injunções dirigidas ao legislador ordinário. Por um lado, e negativamente, estará este proibido de aniquilar ou afectar o núcleo essencial do instituto infraconstitucional da “propriedade” (nos termos amplos atrás definidos). Por outro lado, e positivamente, estará o mesmo legislador obrigado a conformar o instituto, não de um modo qualquer, mas tendo em conta a necessidade de o harmonizar com os princípios decorrentes do sistema constitucional no seu conjunto. É justamente isso que decorre da parte final do n.º 1 do artigo 62.º, em que se diz que “a todos é garantido o direito à propriedade privada (..) nos termos da Constituição.” Assim, e apesar de a redacção literal do preceito constitucional não conter, como é frequente em direito com- parado, uma referência expressa às funções que a lei ordinária desempenha enquanto instrumento de modelação do conteúdo e limites da “propriedade”, em ordem a assegurar a conformação do seu exercício com outros bens e valores constitucionalmente protegidos, a verdade é que essa remissão para a lei se deve considerar implícita na “ordem de regulação” que é endereçada ao legislador na parte final do n.º 1 do artigo 62.º, e que o vincula a definir a ordem da propriedade nos termos da Constituição. Tal vinculação não será, portanto, substancialmente diversa da contida, por exemplo, no artigo 33.º da Constituição espanhola [“É reconhecido o direito à propriedade privada (…). A função social desse direito limita o seu conteúdo, em conformidade com as leis.”]; no artigo 42.º da Constituição italiana [“A propriedade privada é reconhecida e garantida pela lei, que determina o seu modo de aquisição, gozo e limites com o fim de assegurar a [sua] função social (…)]”; no artigo 14.º da Lei Fundamental de Bona [“A propriedade e o direito à herança são garantidos. O seu conteúdo e limites são estabelecidos pela lei (…). O seu uso deve servir ao mesmo tempo os bens colectivos”]. Embora a Constituição lhe não faça uma referência textual, existirá portanto, e também entre nós, uma cláu- sula legal da conformação social da propriedade, a que aliás terá aludido desde sempre a jurisprudência consti- tucional, ao dizer que “[e]stá tal direito de propriedade, reconhecido e protegido pela Constituição, na verdade, bem afastado da concepção clássica do direito de propriedade, enquanto jus utendi, fruendi et abutendi – ou na fomulação impressiva do Código Civil francês (…) enquanto direito de usar e dispor das coisas de la manière la plus absolue (…). Assim, o direito de propriedade deve, antes do mais, ser compatibilizado com outras exigências constitucionais” (referido Acórdão n.º 187/01, § 14, citando anterior jurisprudência)”. 5. Passando à aplicação desta doutrina à hipótese presente, a primeira nota que importa reter é que a norma em causa não tem efeito ablativo do direito de propriedade, de modo que possa ser-lhe atribuído efeito expropriativo. Não só o proprietário da coisa não é privado da sua titularidade, como nem sequer pode imputar-se directamente à norma em causa o sacrifício da consistência económica prática do direito. Efectivamente, o arrendamento é um modo de o locador fruir os bens de que é proprietário e o ex-cônjuge constituído na qualidade de arrendatário da casa de morada de família fica obrigado a pagar ao outro uma contrapartida pela cedência do gozo da coisa: uma renda.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=