TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

628 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de Morada de Família no Direito Português, p. 322), considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um deles e o interesse dos filhos do casal. Não se trata de transmissão (para o cônjuge não arrendatário) ou de concentração (num dos cônjuges) do direito a um arrendamento pré-existente, por determinação judicial ou efeito da lei, como sucede no artigo 1105.º do Código Civil (cfr. anteriormente artigo 84.º do Regime do Arrendamento Urbano). O que na norma em apreciação se permite é a constituição de uma relação locativa cujo facto genético é um acto de autoridade do Estado, uma decisão judicial. Há a constituição forçada de um arrendamento, que fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, designadamente a fixação e obrigação de pagamento de renda, podendo o tribunal definir, ouvidos os cônjuges, as condições do “con- trato” (qualificação legal a que podem ser colocadas reservas: cfr. Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, p. 28), bem como “fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio quando circunstân- cias supervenientes o justifiquem” (n.º 2 do artigo 1793.º). 4. Expostas as linhas essenciais do regime jurídico em que se insere a norma que constitui objecto do pedido, vejamos se procede a imputação de violação da tutela constitucional da propriedade, consagrada no artigo 62.º da Constituição, que à dimensão normativa em causa faz o recorrente. Argumenta o recorrente que “a constituição de uma relação arrendatícia, a favor de um dos cônjuges, quando a casa de morada de família seja um bem próprio do outro cônjuge, desde que essa constituição seja contra a vontade deste, é inconstitucional, por violação do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), na medida, designadamente, em que tolhe o direito de propriedade, nas suas dimensões de direito de uso e fruição”. E que, mesmo que se entenda “que a criação da solução legislativa, constante do n.º 1 do artigo 1793.º do Código Civil, na parte aqui questionada, se configura como uma resposta do legislador ordinário à impo- sição constitucional do artigo 65.º da CRP, não se pode aceitar que, a pretexto de promover o seu cumpri- mento, em vez de ser indutor ou promotor de habitação, promovendo e desenvolvendo politicas que levem ao aumento da oferta habitacional, venha o legislador ordinário, para solucionar uma necessidade pontual de habitação, a sacrificar os interesses legítimos da propriedade licitamente constituída, sacrificando, assim, o direito de propriedade privada, enunciado no artigo 62.º da CRP, que, de acordo com a regra do artigo o 17.º segue o regime dos direitos, liberdades e garantias, abrangido na grande parte relativa aos direitos e deveres fundamentais”. É, portanto, por referência à tutela constitucional da propriedade que a questão vem discutida, pelo que nela vai centrar-se a resposta do Tribunal, começando por recordar o seu quadro geral de análise da “garantia” conferida pelo artigo 62.º da Constituição que no Acórdão n.º 421/09 expôs nos seguintes termos: «(…) [OTribunal ] tem dito, em jurisprudência constante (e vejam-se, entre outros, os Acórdãos n. os 44/99; 329/99; 205/00; 263/00; 425/00; 187/01; 57/01; 391/02; 139/04; 159/07, todos eles disponíveis em www.tribunalconsti- tucional.pt ), que sendo afinal a “propriedade” um pressuposto da autonomia das pessoas, não obstante a inclusão do direito que lhe corresponde no título respeitante aos “Direitos e deveres económicos, sociais e culturais”, alguma dimensão terá ele que permita a sua inclusão, pelo menos parcial, nos clássicos direitos de defesa, ou, para usar a terminologia da CRP, em alguma da sua dimensão será ele análogo aos chamados direitos, liberdades e garantias. Que assim é demonstra-o, afinal, a própria História do constitucionalismo, em que a defesa da propriedade ocupou sempre um lugar central: no plano individual, contra as investidas arbitrárias dos poderes públicos no património de cada um; no plano colectivo, quanto à própria possibilidade da existência de uma sociedade civil diferenciada do Estado, e assente autonomamente na apropriação privada de uma ampla gama de bens que permita o estabelecimento de relações económicas à margem do poder político. Resta saber qual a dimensão da garantia constitucional da propriedade que acolherá assim um radical subjec- tivo, que, pela sua estrutura, será análogo a um direito, liberdade e garantia. Ora, e quanto a esta matéria, decor- rem da jurisprudência do Tribunal alguns pontos firmes, que poderão ser sintetizados como seguem. O primeiro ponto firme é o da não identificação entre o conceito civilístico de propriedade e o correspondente ­conceito

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