TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
626 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL artigo 62.º da CRP, que, de acordo com a regra do artigo 17.º segue o regime dos direitos, liberdades e garantias, abrangido na grande parte relativa aos direitos e deveres fundamentais. 3. Não se pode aceitar que o legislador ordinário, para superar uma situação de oferta de habitação insuficiente, opte por, adoptando a solução mais fácil e mais barata, impor, aos particulares, que se encontrem em determinadas circunstâncias, que sejam eles a suportar os custos da angariação de casas para terceiros, certos terceiros. 4. A satisfação, pelo legislador, da imposição constitucional, que sobre ele recai, de planear, adoptar e executar providências tendentes a criar as condições necessárias para todos poderes ter habitação condigna, não pode ser feita através da ablação do direito de propriedade privada, um direito constitucionalmente catalogado como um direito fundamental. 5. Não se afigura legítimo, em nome da função social da propriedade, obrigar os proprietários a sub-rogarem- -se ao Estado no cumprimento de incumbências infungíveis que, por expresso imperativo constitucional, sobre ele recaem, pois o direito à habitação não implica que os proprietários das casas sejam compelidos a entregá-las a quem as não tem. 6. Por outro lado, o direito à habitação, do artigo 65.º da CRP, não pode prevalecer sobre o direito de uso e disposição de propriedade privada, a que se refere o artigo 62.º da CRP, porque, simplesmente, um e outro operam em planos distintos, planos esses que não se comunicam. 7. O direito à habitação configura-se como uma mensagem que o legislador constitucional dirige ao legislador ordinário para que este integre, nas suas politicas concretas, a promoção de condições para que aquele desiderato se cumpra, enquanto que o direito de propriedade, como direito subjectivo que é, opera em relações jurídicas con- cretamente estabelecidas entre o seu titular e terceiros, sendo, portanto, um direito real de gozo que os particulares exercitam, nas suas relações com terceiros, sejam eles particulares ou o Estado, sobretudo através do seu efeito erga omnes . 8. Por outro lado, quando o artigo 65.º da CRP preceitua que todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar, não está a constituir, na esfera jurídica de cada um dos portugueses, um direito subjectivo a uma casa, com dimensão adequada, para sua habitação, e da sua família. 9. Além disso, mesmo que se aceite que todos devem ter direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade fami- liar, como se estabelece no desiderato constitucional, a consecução desse objectivo programático constitucional não pode ser logrado à custa do ex-cônjuge proprietário. 10. Ao aplicar-se, aos autos, o n.º 1 do artigo 1793.º do CC, foi violado o artigo 62.º da CRP, uma vez que aquele normativo é, em parte, inconstitucional. Nestes termos, e nos de mais direito que V. Ex. as doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser declarada a inconstitucionalidade do dispositivo do n.º 1 do artigo 1793.º do CC, na parte em que possibilita ao juiz decretar a constituição de uma relação arrendatícia, a favor de um dos cônjuges ou ex-cônjuges, quando a casa de morada de família seja um bem próprio do outro cônjuge, desde que essa cons- tituição seja contra a vontade deste, na medida, designadamente, em que tolhe o direito de propriedade, nas suas dimensões de direito de uso e fruição e não fixa, como contrapartida, o pagamento de justa indemnização. (…)» A recorrida não contra-alegou. Cumpre decidir. II – Fundamentos 3. A norma submetida a apreciação de constitucionalidade integra-se no dispositivo do artigo 1793.º do Código Civil, cuja redacção é a seguinte (desde o Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro):
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