TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

625 acórdão n.º 127/13 Como escreveu Jorge Miranda, in Direito Constitucional, AAFD de Lisboa, 1977, p. 63, “(…) tais normas implicam a colaboração do legislador ordinário a cujo critério fica a formulação das regras capazes de as tornar exequíveis por meio de um poder discricionário; e os cidadãos não as podem invocar desligadas destas regras de carácter legal (…)” Em anotação ao artigo 65.º da CRP, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, escreveram “(…) O direito à habitação deve prevalecer sobre o direito de uso e dispo- sição da propriedade privada (…)”. Mais adiantam os mesmos constitucionalistas, em anotação ao artigo 62.º da CRP que “(…) sempre se terá de entender que o direito de propriedade está sujeito a muitas restrições. Além dos limites estabelecidos pela própria Constituição (…), deve entender-se que o direito de propriedade está indirectamente sob reserva das restrições estabelecidas por lei, dado que a Constituição remete em vários lugares para a lei (…)”. Ora, prevendo a dimensão normativa em análise (art. 1793.º n.º 1 do Código Civil) uma transferência do direito de uso e fruição da propriedade do imóvel (casa de morada de família) propriedade do requerido para o domínio da requerente, dando-a de arrendamento, tendo em vista garantir e proteger outros tantos direitos funda- mentais dos cidadãos como a constituição e protecção da família e garantia do direito à habitação, conclui-se que essa dimensão normativa não viola qualquer daqueles preceitos constitucionais, designadamente, o artigo 62.º da CRP, antes se articula numa perspectiva de proteger todos aqueles direitos merecedores de tutela constitucional. Por tudo quanto se deixou dito, a norma do artigo 1793.º do Código Civil, embora excepcional, porque con- traria o princípio geral de liberdade contratual – como refere Pinto Furtado, in Arrendamentos Vinculísticos , 1984, p. 38, “(…) o arrendamento previsto neste artigo não reveste a natureza jurídica de contrato sendo de caracterizar como um arrendamento judicial, um acto judicial (…)” – não é inconstitucional, como sustenta o apelante, uma vez que não viola as referidas normas-disposição (sejam elas imediatamente preceptivas sejam programáticas) nem os princípios constitucionais, sejam eles expressos (normas-princípio) sejam eles apenas implícitos.  (…).» Na sequência de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que não foi admitido, o recorrente interpôs o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional – LTC), para apreciação do artigo 1793.º, n.º 1, do Código Civil, na medida em que permite que o tribunal dê de arrendamento a qual- quer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quando esta seja bem próprio do outro face à protecção constitucional do direito de propriedade constante do artigo 62.º da Lei Fundamental. 2. Notificadas as partes para alegações, o recorrente concluiu nos seguintes termos: «(…) Conclusões: 1. A disposição, contida no n.º 1 do artigo 1793.º do CC, na parte em que possibilita ao juiz decretar a cons- tituição de uma relação arrendatícia, a favor de um dos cônjuges, quando a casa de morada de família seja um bem próprio do outro cônjuge, desde que essa constituição seja contra a vontade deste, é inconstitucional, por violação do artigo 62.º da CRP, na medida, designadamente, em que tolhe o direito de propriedade, nas suas dimensões de direito de uso e fruição. 2. Mesmo que se entenda que a criação da solução legislativa, constante do n.º 1 do artigo 1793.º do CC, na parte aqui questionada, se configura como uma resposta do legislador ordinário à imposição constitucional do artigo 65.º da CRP, não se pode aceitar que, a pretexto de promover o seu cumprimento, em vez de ser indutor ou promotor de habitação, promovendo e desenvolvendo politicas que levem ao aumento da oferta habitacional, venha o legislador ordinário, para solucionar uma necessidade pontual de habitação, a sacrificar os interesses legí- timos da propriedade licitamente constituída, sacrificando, assim, o direito de propriedade privada, enunciado no

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