TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
621 acórdão n.º 126/13 permita a entrada de pessoa particular ou do homem do gás, daí não pode concluir-se que o autorize também a franquear a porta a quem vem preparar a sua condenação, isto é, a inflicção de um mal» […]. ( Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra, 1992, pp. 51-52)". 7. É este entendimento que se mantém. Com efeito, diversas pessoas podem ter, e normalmente têm, sobretudo, no âmbito de relações familia- res, domicílio no mesmo espaço de habitação. Mas cada uma delas é titular do direito fundamental à invio- labilidade do domicílio (da sua esfera espacial de privacidade e segredo), que não se transforma, em função da coincidência do objecto material sobre o qual incide, num direito colectivo. Tendo este direito carácter instrumental de protecção da privacidade pessoal, e não do poder de disposição sobre a coisa ou do seu uso, não é constitucionalmente admissível entender que da convivência de diversas pessoas na mesma habitação deriva a co-titularidade do (de um mesmo) direito fundamental à inviolabilidade do domicílio. Nas situações de co-habitação o que existe é uma pluralidade de direitos individuais que incidem sobre o (ou se exercem através do) mesmo objecto material (o espaço de habilitação compartilhado), cujo conteúdo essencial con- siste na faculdade de excluir intrusões de terceiro nesse espaço reservado. É certo que a vida familiar, nomeadamente a relação conjugal, pressupõe vinculações e práticas de confiança recíproca, o que implica a aceitação de que um dos membros permita a entrada de terceiros nesse espaço que se compartilha. Como regra geral, não cabendo aqui abordar os critérios de resolução de situações de conflito ou dissonância, cada membro do casal pode consentir na entrada de terceiro no espaço domici- liário comum, habilitando terceiros de boa fé a presumir o consentimento do outro. Todavia, a essas situações comuns, inerentes à convivência familiar, tem de contrapor-se a situação excepcional que consiste em facultar a entrada no espaço comum de domicílio a órgãos de polícia criminal com o objectivo de recolher provas contra o outro membro do casal (centrando o discurso na relação conju- gal). Aqui a entrada no domicílio vai intencionada à intromissão em domínios de intimidade e privacidade do investigado para obtenção de provas que possam incriminá-lo. Não se trata de uma ocorrência inerente à vida familiar ou às situações correntes de convivência; é a privacidade e, indirectamente, o direito de defesa do outro cônjuge que a entrada no domicílio permite atingir. Perante essa incidência específica da intrusão na esfera espacial de privacidade e segredo do investigado, o radical de tutela da privacidade presente no direito de inviolabilidade do domicílio não consente que se considere o outro cônjuge legitimado a prestar o consentimento, ou se presuma o daquele que é visado pela diligência processual. De outro modo, seguindo a orientação do acórdão recorrido, se fosse suficiente a qualidade de co-titular do domicílio com poder de disponibilidade do lugar onde a busca se realiza para permitir a entrada dos agentes policiais a fim de efectuar uma busca sem prévia autorização judicial – na circunstância, como busca nocturna, parece que nunca pode- riam constitucionalmente obtê-la –, investir-se-ia esse terceiro no poder de disposição da privacidade (com reflexos no direito de defesa) de quem com ele co-habita, aspecto este que é objecto de protecção instrumen- tal reforçada pelo direito à inviolabilidade do domicílio. Neste domínio do processo penal, “cada pessoa que partilha a habitação é portadora autónoma de um direito fundamental sob a forma de uma exigência de não ingerência virada contra o Estado. E sobre direito alheio só pode dispor-se na base de uma legitimação con- cludente (Costa Andrade, “Violação de domicílio e de segredo de Correspondência ou Telecomunicações” in Ab Vno ad Omnes , p. 729). Assim, perante a intrusão que significa a busca no âmbito de um processo criminal, o consentimento previsto no n.º 3 do artigo 34.º da Constituição tem necessariamente de provir do titular do domicílio que seja visado pela diligência processual (não importa aqui esclarecer se e em que condições esse consentimento além de necessário é suficiente). Viola a Constituição a norma que considere suficiente, para legitimar a entrada dos órgãos de polícia criminal no domicílio do arguido ou suspeito a fim de realizar uma busca, a permissão conferida por um co-domiciliado com poder de disposição sobre o espaço em causa (corres- pondentemente, não cabe aqui versar a questão de saber se e em que condições, não sendo suficiente, esse consentimento será também necessário).
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