TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
62 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e rodeada das maiores cautelas, impulsionadas estas pelas novas tecnologias, no tratamento dos requerimentos e emissão dos documentos de identificação em causa. 47. Passando para outro plano de análise, não releva igualmente para justificar a limitação decorrente do artigo 4.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 280/2001, o interesse legítimo quanto a um elevado grau de formação e qualificação dos marítimos, associado que está também às exigências da segurança marítima, da salvaguarda da vida humana no mar e da preservação do meio marinho. 48. Na verdade, os requisitos de formação e qualificação profissional no domínio marítimo, integram, desde logo, a montante, o conjunto dos requisitos necessários, a preencher pelos indivíduos que pretendam fazer a sua inscrição marítima, conforme vem disposto no Regulamento relativo à formação e à certificação dos marítimos, constante do Anexo IV ao Decreto-Lei n.º 280/2001 e do qual é igualmente parte integrante. 49. Aliás, sob a ótica das competências exigíveis para o exercício da atividade profissional dos marítimos, trata-se de domínio objeto de forte regulação internacional – dirigida, afinal, a uma tendencial uniformização na matéria – para além de ser à Administração que compete a sua verificação face aos critérios legalmente definidos, seja no domínio do reconhecimento de certificados obtidos fora de Portugal, seja no plano da própria formação ministrada no nosso país. 50. Assim sendo, na medida em que a comprovação da habilitação exigida para a categoria de marítimo preten- dida é ela própria pré-requisito do pedido de inscrição marítima, não se vislumbra por que razão, uma vez adqui- rida essa formação no nosso país e comprovando a respetiva titularidade a aptidão profissional para o exercício da atividade em causa, não se franqueie a um não nacional, que não se enquadre em quaisquer das situações previstas na norma a sindicar, a obtenção da inscrição marítima. 51. Ainda em sede de competências e no que especificamente concerne aos aspetos relacionados com a lín- gua e eventuais dificuldades de comunicação a bordo, numa matéria que é crucial sob a perspetiva da segurança marítima, a questão não suscita igualmente grandes obstáculos, uma vez que, a par do que sejam as orientações internacionais quanto ao uso de uma língua de trabalho a bordo, entre nós e no tocante ao embarque de marítimos de países terceiros em embarcações nacionais, nos casos em que o mesmo está autorizado, a lei estabelece já o seu condicionamento “à posse de conhecimentos da língua portuguesa sempre que esta seja adotada como língua de trabalho a bordo” (artigo 3.°, n.º 6, do Regulamento relativo ao recrutamento e ao embarque e desembarque dos marítimos, constante do Anexo V ao Decreto-Lei n.º 280/2001, do qual faz parte integrante). 52. Em suma, neste plano, não se vê que, uma vez preenchidos os requisitos exigidos, nomeadamente respei- tantes à formação necessária e às competências linguísticas adequadas, os nacionais de países terceiros não possam ingressar na atividade profissional marítima em condições idênticas aos cidadãos portugueses. 53. Por último, por muito ponderoso que possa afigurar-se o interesse da prevenção da imigração ilegal num domínio com as características próprias da atividade marítima, há que, todavia, questionar se uma medida restritiva da liberdade de escolha da profissão, a qual frustra o tratamento igualitário preconizado, como regime regra, pelo princípio da equiparação de direitos entre nacionais e não nacionais, se afigura apropriada, de per se, à prossecu- ção de um tal fim, quando é certo que engloba desde logo, no seu efeito jurídico excludente, nacionais de países terceiros, cuja situação em face do regime jurídico de entrada e permanência em território nacional não suscite quaisquer dúvidas. 54. Duvidando, deste modo, de tal conformidade, sempre se adiantará que ainda que se admitisse, por hipó- tese, a adequação da medida, a mesma claudica sob o ponto de vista da sua exigibilidade material e pessoal, por- quanto pode a prevenção da imigração ilegal ser, neste caso, alcançada mediante meios menos gravosos para os estrangeiros afetados, por forma a permitir, mais generosamente, estender o tratamento igualitário reclamado a outros cidadãos não nacionais, pelo menos no respeitante ao círculo dos estrangeiros residentes e, por conseguinte, sem a ablação, pelo menos para esse universo de pessoas, da liberdade fundamental em causa. 55. A este propósito, confirmando o ponto de vista expresso quanto à reprovação da norma ora criticada no teste da proporcionalidade, pode invocar-se, uma vez mais, a jurisprudência do Tribunal Constitucional, conforme expressa no já citado Acórdão n.º 345/02: «Obviamente, o estatuto constitucional do estrangeiro admite exceções ao princípio da equiparação (…).
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=