TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
61 acórdão n.º 96/13 homónima, poder configurar documento de identificação do marítimo para efeitos da Convenção n.º 108 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativa aos documentos de identificação dos marítimos, de 1958, que Portugal ratificou (artigo 9.° do Regulamento relativo à inscrição marítima e emissão da cédula de inscrição marítima, constante do Anexo 1 ao Decreto-Lei n.º 280/2001 e deste fazendo parte integrante). 40. Isto porquanto, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 2.° da citada Convenção da OIT a passagem do refe- rido documento de identificação a um marítimo não nacional «empregado a bordo de navio registado no (…) ter- ritório [do Estado membro emissor] ou inscrito em agência de colocação do seu território», para além de depender de requerimento do interessado, vem consagrada como uma faculdade – e não como uma obrigação – do Estado vinculado pela Convenção em causa, como bem evidencia o recurso do legislador internacional, para esses casos, à fórmula linguística «o Estado Membro (…) poder passar (…) um documento de identificação de marítimo (…)». 41. Acresce, ainda, na lógica da Convenção n.º 108 da OIT, a circunstância de o Estado membro emissor do documento de identificação respeitante a um marítimo estrangeiro «não fica[r] obrigado a declarar nesse docu- mento a nacionalidade do seu possuidor», não sendo, “[a]liás, tal declaração (…) prova concludente da sua nacio- nalidade” (n.º 4 do artigo 4.° da Convenção). 42. Estas determinações normativas – que são as que atualmente vinculam o Estado português – franqueiam a salvaguarda dos interesses do Estado no quadro da existência de vínculos de cidadania e, especificamente, da problemática em torno do estatuto pessoal dos indivíduos não nacionais, na medida em que, ainda que os admita a inscrição marítima, não fica, nesses casos, obrigado a emitir a cédula como documento de identificação do marí- timo (dito de outro modo, pode sempre reservar esse documento de identificação aos cidadãos portugueses), nem decorrem da sua eventual emissão quaisquer efeitos jurídicos em termos da determinação da lei pessoal do reque- rente ou sequer de prova, com a força de fé pública, da veracidade das declarações e documentos colhidos junto do interessado a respeito da respetiva nacionalidade. 43. Sem embargo de o Estado português não se encontrar, à data da elaboração do presente pedido, vinculado à Convenção n.º 185 da OIT relativa aos documentos de identificação dos marítimos (revista), de 2003 – instru- mento internacional que, como decorre da sua própria denominação, procede à revisão da Convenção de 1958 – não chegaríamos a distinta conclusão no plano em análise, se, por hipótese, Portugal viesse a ratificar a referida Convenção internacional. Assinale-se, a este propósito e ao nível comunitário, que a Decisão 2005/367/CE do Conselho, de 14 de abril de 2005, autoriza os Estados membros a ratificar, no interesse da Comunidade Europeia, a Convenção n.º 185 da OIT, na base da consideração, designadamente, de que certos artigos da mesma «integram a competência comunitária em matéria de vistos», e de que esta «convenção constitui uma contribuição valiosa para o reforço da segurança no setor marítimo a nível internacional e para a promoção de condições de vida e de trabalho dignas para os marítimos, sendo por conseguinte desejável que as suas disposições sejam aplicadas o mais rapidamente possível», no enunciado preambular da citada Decisão. 44. Na verdade, assente, entre outros, sobre um conjunto de propostas referentes a um sistema mais seguro de identificação dos marítimos, a Convenção n.º 185 da OIT cinge o poder de emissão de um documento de iden- tificação do marítimo, no que concerne aos marítimos não nacionais do Estado membro requerido, àqueles a que tenha sido concedido o estatuto de residente permanente no respetivo território. 45. Outrossim, não se perdendo de vista, na mesma Convenção, o imperativo de acautelar a segurança neces- sária no procedimento de emissão dos documentos de identificação em causa, salienta-se a incorporação, naquele instrumento internacional, de preceitos dirigidos a que, na base da emissão do documento em causa, esteja a prova da nacionalidade ou da residência permanente do requerente, bem como, especialmente nos casos de nacionalidade plúrima, ou de estatuto de residente permanente, a garantir que não seja emitido mais do que um documento de identificação de marítimo. 46. Em face do exposto e caso o Estado português pondere ratificar a Convenção n.º 185 da OIT, nada nesta Convenção permite justificar a exclusão de cidadãos não nacionais do pedido de inscrição marítima, tal como determinada pelo legislador na norma impugnada, já que, para esses cidadãos, a emissão de um documento de identificação do marítimo continua a configurar-se como um poder dos Estados, e não como uma obrigação, estando, de resto, por força da mesma Convenção confinada aos marítimos com estatuto de residente permanente
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