TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
603 acórdão n.º 124/13 processo equitativo, a um processo justo, onde vão garantidos o direito à invocação dos factos que se entendam relevantes e à prova dos mesmos e proibidas situações de indefesa ou pressupostos/requisitos processuais desneces- sários, não adequados e desproporcionados quanto aos meios probatórios permitidos. Em suma, o cidadão tem direito a invocar, a demonstrar e a ver julgada a realidade material controvertida. 5.ª A interpretação normativa do Acórdão recorrido não respeita as exigências constitucionais referidas na Con- clusão anterior, pois, para além do mais: a. impede as partes (neste caso os Expropriados), por razões puramente processuais (de oportunidade), de fazerem prova documental dos factos relevantes para o cálculo da justa indemni- zação que lhes é devida depois de apresentada nos autos a avaliação pericial, um elemento decisivo dos processos de expropriação relativamente ao qual as partes ficarão numa situação de indefesa probatória documental; b. impede as partes de se defenderem através de documentos posteriores (ou de conhecimento posterior) à petição de recurso do acórdão arbitral ou à resposta ao mesmo, o que constitui uma intolerável situação de indefesa, ficando total- mente desvirtuada a verdade material que se devia discutir e julgar. 6.ª A interpretação do Tribunal recorrido funda-se exclusivamente em requisitos processuais desnecessários ou desviados de um sentido conforme ao direito fundamental de acesso aos tribunais e de aí juntar documentos para suportar a posição defendida, não valendo aqui o apelo do Acórdão recorrido aos princípios da celeridade e da economia processuais. Na verdade, para além desses princípios relevarem em todos os processos judiciais e não só nos processos expropriativos, esses princípios tutelam essencialmente os interesses dos expropriados em receber o mais cedo possível a justa indemnização, pelo que não faz sentido utilizar contra os expropriados princípios esta- belecidos, essencialmente, no seu interesse. Por outro lado, a admissão da junção de documentos nas alegações dos expropriados não perturba o normal andamento do processo judicial, pois o processo sempre terá que aguardar as contra-alegações da parte contrária, sendo aí que a mesma se poderá pronunciar sobre os mesmos. Assim, bem vistas as coisas, a junção destes documentos em nada perturba a economia ou celeridade processuais. Este direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, a um processo justo e à tutela jurisdicional efetiva é um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Consti- tuição da República Portuguesa Anotada , 3.ª edição, p. 142), o que implica, desde logo, a sua submissão ao regime desta categoria constitucional (art. 17.º da Constituição) e a eficácia assegurada no artigo 18.º da Lei fundamental. A solução adotada pelo Acórdão recorrido não respeita esta eficácia constitucional de um direito fundamental de natureza análoga, pois, (i) pretendendo os Expropriados que os documentos sub judice fazem prova da expansão urbanística que caracterizava toda a zona envolvente da parcela expropriada, o que condiciona, portanto, o valor de mercado do bem expropriado, (ii) sendo esse precisamente o objetivo deste processo (fixar a justa indemnização aos Expropriados, isto é, o valor de mercado do bem expropriado) e (iii) não existindo outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que impeçam a admissão nos autos desses documentos e a descoberta da verdade material, nada impede e tudo aconselha uma interpretação do regime normativo em causa no sentido de admitir a junção de documentos depois da petição de recurso ou da resposta ao mesmo, em particular quando falamos de documentos supervenientes. 8.ª Em qualquer caso, para além desta força jurídica, direta e imediata, pode ainda retirar-se do quadro cons- titucional português a seguinte dimensão essencial na abordagem e interpretação das normas legais: interpretação conforme à Constituição (e interpretação integrativa da lei com a Constituição), no sentido de que, “em caso de dúvida, deve prevalecer a interpretação que, conforme os casos, restrinja menos o direito fundamental, lhe dê maior proteção, amplie mais o seu âmbito, o satisfaça em maior grau”. Deste modo, os princípios e direitos fun- damentais aqui envolvidos determinam que, na dúvida, perante dois cenários possíveis na interpretação do regime consagrado no Código das Expropriações, se considere a solução que melhor sirva a tutela constitucional, ou seja, o efetivo acesso aos Tribunais, a justiça processual e uma tutela jurisdicional efetiva; em suma, a junção destes documentos supervenientes. 9.ª Este tópico é aqui particularmente relevante. De facto, o que os preceitos dos Códigos das Expropriações em causa dispõem é que com o requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral as partes juntem desde logo todos os documentos, isto é, naturalmente, todos os documentos de que a parte disponha nessa data. Este preceito não se refere (nem podia) a documentos de que a parte não disponha e que só no futuro virá a dispor
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