TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

597 acórdão n.º 105/13 da intervenção mínima, uma vez que é pacífico que não se poderão criminalizar situações que, embora desagradáveis, não tenham o mínimo de dignidade penal, dada a não identidade perfeita entre ato social ou moralmente inaceitável e criminalmente punível, resultando a inconstitucionalidade da preocupação que parece radicar em tal preceito legal de confundir necessidade de intervenção do Direito Penal com moral e bons costumes. Sustenta, por isso, o recorrente que o referido preceito viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e da necessidade de incriminação. Para análise desta questão, interessa saber que limites concretos a Constituição impõe ao conteúdo dos crimes, o que pressupõe uma abordagem da legitimidade jurídico-constitucional da incriminação. Segundo a nossa lei criminal, constitui crime todo o facto descrito e declarado passível de pena por lei (artigo 1.º, n.º 1, do Código Penal). A Constituição, por seu turno, prevê expressamente que o legislador ordinário tem o direito de criar crimes [artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição]. Todavia, traduzindo- -se as penas criminais na restrição de direitos e liberdades consagrados na Constituição, tal restrição só é legítima, de acordo com o disposto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, quando tiver por objetivo a prote- ção de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, isto é, quando a situação tipificada tiver dignidade penal. Além disso, ainda de acordo com o referido preceito constitucional, é também necessário que a proteção de tais bens não possa realizar-se senão através da aplicação de penas ou medidas de segurança, o que faz do direito penal a ultima ratio da política social do Estado, exigindo-se uma situação de necessidade de tutela penal (vide Costa Andrade, em “Constituição e Direito Penal”, em A justiça nos dois lados do Atlântico – Teo- ria e prática do processo criminal em Portugal e nos Estados Unidos da América , pp. 200-205, da edição de 1997, da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Figueiredo Dias, em “O comportamento criminal e a sua definição: o conceito material de crime”, em Temas básicos da doutrina penal , pp. 33 e segs., da edição de 2001, da Coimbra Editora, e Jorge Miranda e Rui Medeiros, em Constituição Portuguesa anotada , tomo I, pp. 326-327, da edição de 2005, da Coimbra Editora). «(…) OTribunal Constitucional já teve ocasião de se pronunciar por diversas vezes a propósito do disposto no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição, enquanto parâmetro para aferir da legitimidade constitucional das incriminações, lendo-se, por exemplo no Acórdão n.º 109/99: “O direito penal, enquanto direito de proteção, cumpre uma função de ultima ratio . Só se justifica, por isso, que intervenha para proteger bens jurídicos – e se não for possível o recurso a outras medidas de política social, igualmente eficazes, mas menos violentas do que as sanções criminais. É, assim, um direito enformado pelo princí- pio da fragmentariedade, pois que há de limitar-se à defesa das perturbações graves da ordem social e à proteção das condições sociais indispensáveis ao viver comunitário. E enformado, bem assim, pelo princípio da subsidariedade, já que, dentro da panóplia de medidas legislativas para proteção e defesa dos bens jurídicos, as sanções penais hão de constituir sempre o último recurso” (…)». O princípio da necessidade de pena implica, assim, uma ponderação pelo legislador ordinário para decidir em definitivo da criminalização ou não de determinada conduta, da qualificação de determinado comportamento como crime, sendo que a intervenção do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, impedirá a tipificação de condutas que não tenham subjacente a tutela de bens jurídicos dotados de dignidade penal. Assim, e sobre o que poderá considerar-se um bem jurídico com dignidade penal, escreveu-se o seguinte no Acórdão n.º 179/12 deste Tribunal: «(…) Um bem com dignidade jurídico-penal é necessariamente uma concretização dos valores constitucionais. Nas palavras de Figueiredo Dias, “(…) um bem jurídico político-criminalmente tutelável existe ali – e só ali – onde se

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