TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
596 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tratar de constrangimento, terá que assentar na supressão do sentido da vontade da vítima. Não se tratando de um constrangimento obtido por meio de violência ou de ameaça grave, pode, contudo, tratar-se de um ato imposto pela surpresa, quando o agente conte com a impossibilidade de reação atempada da vítima para a constranger ao contacto sexual. Em qualquer dos casos, haverá sempre restrição da liberdade sexual, ou melhor, restrição da liber- dade de não ser envolvido em contexto sexual imposto, sob pena de se perder o sentido da incriminação. (…)» Por sua vez, Paulo Pinto de Albuquerque ( Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pp. 468-469), entende que «o contacto de natureza sexual é a ação com conotação sexual realizada na vítima, que não tem a gravidade do ato sexual de relevo. O contacto de natureza sexual pode incluir o toque (com objetos ou partes do corpo) da nuca, do pescoço, dos ombros, dos braços, das mãos, do ventre, das costas, das pernas e dos pés da vítima (…)”. Independentemente de, como é natural, poder não existir uma interpretação inteiramente coincidente, quer na doutrina, quer na jurisprudência, no que respeita a todas as condutas que poderão preencher a pre- visão do tipo legal em causa, este exige sempre a existência de um contacto do agente na pessoa da vítima, tal contacto terá de ser de natureza sexual (terá de ser um ato que afete de forma relevante a liberdade sexual da vítima, sem que assuma, contudo, a gravidade de um “ato sexual de relevo”), esse contacto terá de ser efetuado por meio de constrangimento da vítima a suportar tal ação (sem que, contudo tenha sido usada violência) e tal conduta terá de importunar a vítima. Este conjunto de elementos do tipo define um quadro de comportamentos suficientemente definido, para que os cidadãos tenham a perceção de quais são as condutas que aí se sancionam como crime. Há, contudo, quem questione se, devido à não especificação dos meios típicos que levam ao constrangi- mento e incómodo da vítima, esta modalidade de ação não terá sido construída de forma a afrontar o prin- cípio da tipicidade, devido à sua configuração ser demasiado genérica e, portanto, não cumprir o dever de especificar suficientemente os factos merecedores de censura penal (cfr., neste sentido, Maria do Carmo Silva Dias, “Repercussões da Lei n.º 59/2007, de 4/9 nos crimes contra a liberdade sexual”, in Revista do Centro de Estudos Judiciários , 1.º Semestre de 2008, n.º 8, p. 261). Ora, o critério para aferir da existência de uma violação do princípio da tipicidade, neste âmbito, terá de ser o de saber se decorre da norma incriminatória qual o tipo de comportamento sancionado, sendo o mesmo objetivamente determinável, tornando-se claro o juízo de censura penal para os cidadãos que, deste modo, podem orientar a sua conduta de acordo com esse juízo normativo. No caso concreto, embora possa existir um certo grau de indeterminação no que respeita aos meios pelos quais pode ser exercido o constrangimento e incómodo da vítima, a descrição dos comportamentos tipificados encontra-se formulada de maneira, tanto quanto é possível, precisa e clara, de modo a não existi- rem dúvidas quanto à definição dos elementos da infração. Com efeito, apesar do uso de conceitos como “constrangimento”, “importunar”, ou “contacto de natu- reza sexual” sem especificação dos concretos meios utilizados nesse contacto, é possível extrair, quanto mais não seja, do conjunto da regulamentação típica da matéria dos crimes sexuais, a delimitação da área de pro- teção e dos comportamentos típicos abrangidos pela norma. Em suma, a ação típica em questão encontra-se descrita de forma suficientemente precisa e inteligível no transcrito artigo 170.º do Código Penal, permitindo, com suficiente precisão, que os destinatários da norma orientem o seu comportamento. Não se mostra, pois, violado, com esta incriminação, o princípio da legalidade criminal. 2.2. O princípio da necessidade da tutela penal O recorrente entende ainda que o segmento da norma penal contida na segunda parte do artigo 170.º do Código Penal, criminaliza condutas que não são merecedoras de tutela penal, o que violaria o princípio
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