TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

595 acórdão n.º 105/13 Regressando ao caso dos autos, o que está em causa é saber se a segunda parte do artigo 170.º, n.º 1, do Código Penal, na parte em que prevê o crime de importunação sexual, traduzido no constrangimento de outra pessoa a contacto de natureza sexual, é desconforme à Constituição por não cumprir as exigências do princípio da tipicidade, mercê do conteúdo do tipo legal ser demasiado genérico. No que respeita às condutas que poderão ser enquadráveis na previsão legal, podemos encontrar na doutrina entendimentos que, com pequenas diferenças, no essencial, são coincidentes. Assim, José Mouraz Lopes ( Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual no Código Penal, 4.ª Edição Revista e modificada de acordo com a Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, Coimbra Editora, 2008, pp. 108-109), delimita as condutas que podem integrar este tipo legal nos seguintes termos: «(…) No que respeita à importunação por constrição ao contacto de natureza sexual como elemento típico da segunda dimensão do crime, introduzida pela reforma de 2007, importa precisar a questão do que pode ser, por um lado o contacto de natureza sexual e por outro em que se traduz esse constrangimento. Sobre a primeira questão há que começar por sublinhar que se trata de um contacto de natureza sexual sendo por isso de pressupor que só um ato sexual, que possa ser objetivamente entendido como tal, pode estar em causa. Estarão por isso fora do âmbito do tipo por um lado todos e quaisquer contactos físicos que não tenham a natureza de um ato sexual e, por outro lado, de uma forma inequívoca, todas as palavras ou gestos grosseiros de natureza sexual dirigidas à vítima. Vale a pena apelar ao que vinha constituindo alguma discussão efetuada pela doutrina e jurisprudência sobre o que não é (ou não deve ser) um “ato sexual de relevo” e que não configurando essa figura essencial que está na ori- gem da reforma de 1995, caberá hoje no domínio do contacto de natureza sexual para efeitos deste tipo de crime. É o caso do “apalpão” ou o “roçar” ou pressionar partes do corpo contra partes do corpo da vítima, por exemplo nos transportes públicos ou em espaços fechados, que podem consubstanciar uma situação froteurismo (de frotter ). Verificado o contacto de natureza sexual importa sublinhar que não basta a sua existência, só por si, para con- figurar o tipo de crime. O contacto tem que decorrer através de alguma forma de pressão, aperto, compressão ou coação que configure um ato que de uma forma inequívoca cerceia a liberdade sexual da vítima. Não existindo esse “mínimo” que identifique, objetivamente, esse constrangimento não se pode configurar, à luz do tipo de crime, uma ação típica. (…)» Inês Ferreira Leite (“A tutela Penal da Liberdade Sexual”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 21, n.º 1, Janeiro-Março 2011, pp. 71-73), por seu turno, traça da seguinte forma os limites das condutas abrangidas pelo referido tipo legal: «(…) Assim, no crime de importunação sexual deverão caber os atos ou gestos que não envolvem contacto físico (pois é esta a esfera do exibicionismo) ou, quando envolvendo tal contacto, que fiquem aquém do relevo exigido para que seja praticado o crime de coação sexual. E podem ser “contactos sexuais” que não assumem tal relevo pois não integram um comportamento objetivamente identificável como sexual (toques em transportes públicos ou outros toques aparentemente cobertos pela adequação social, fetiches apenas subjetivamente aptos a provocar exci- tação sexual, como por exemplo, carícias em partes do corpo tradicionalmente não erógenas); ou porque não são aptos a lesar ou colocar em causa, de modo grave, a liberdade sexual, embora sejam de molde a importunar a vítima (simulação de ato sexual sobre uma vítima em plena rua, pequenos “apalpões” etc.). Importante é que a pessoa seja importunada com o ato exibicionista ou constrangida a um contacto de natureza sexual. Assim, no primeiro caso cabem apenas aqueles atos exibicionistas que limitem a liberdade de ação da vítima, impondo-lhe uma envol- vência de caráter sexual, na qual esta é um participante involuntário, e nunca a mera exibição dos órgãos genitais. No segundo caso, cabe a imposição de um contacto de natureza sexual sobre a vítima, imposição esta que, por se

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