TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
594 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL caráter exibicionista” e “os contactos de natureza sexual”; num segundo plano, estão os atos que integram o conceito de “ato sexual de relevo”; num terceiro plano estão os atos sexuais mais graves ou, na designação de Figueiredo Dias, “especiais atos sexuais de relevo” (cópula, coito anal e oral e penetração vaginal e anal com objetos ou partes do corpo) (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, cit. , p. 441, e Maria do Carmo Silva Dias, “Repercussões da Lei n.º 59/2007, de 4/9 nos crimes contra a liberdade sexual, in Revista do Centro de Estu- dos Judiciários , 1.º semestre de 2008, n.º 8, p. 259). 2.1. O princípio da legalidade O recorrente entende que a norma incriminadora, constante da segunda parte do artigo 170.º do Código Penal, viola o princípio constitucional da legalidade penal, mais concretamente, a exigência de deter- minabilidade do conteúdo da lei criminal, princípio esse que se encontra consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição. Num Estado de direito democrático a prevenção do crime deve ser levada a cabo com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, estando sujeita a limites que impeçam intervenções arbitrárias ou excessivas, nomeadamente sujeitando-a a uma aplicação rigorosa do princípio da legalidade, cujo con- teúdo essencial se traduz em que não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita e certa ( nullum crimen, nulla poena sine lege ). É neste sentido que o artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, dispõe que «Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior», consagrando um dos princípios constitucionais básicos em matéria de punição criminal. Este princípio determina que a descrição da conduta proibida e de todos os requisitos de que dependa em concreto uma punição tem de ser efetuada de modo a que se tornem objetivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objetivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral , tomo I, p. 186, da 2.ª edição da Coimbra Editora). Daí que, incindivelmente ligado ao princípio da legalidade se encontre o princípio da tipicidade, o qual implica que a lei deve especificar suficientemente os factos que constituem o tipo legal de crime (ou que constituem os pressupostos de medida de segurança), bem como tipificar as penas (ou as medidas de segurança). A tipicidade impede, assim, que o legislador utilize fórmulas vagas, incertas ou insus- cetíveis de delimitação na descrição dos tipos legais de crime, ou preveja penas indefinidas ou com uma mol- dura penal de tal modo ampla que torne indeterminável a pena a aplicar em concreto. É um princípio que constitui, essencialmente, uma garantia de certeza e de segurança na determinação das condutas humanas que relevam do direito criminal (cfr. J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, ob. cit., p. 495, e Lopes Rocha, “A função de garantia da lei penal e a técnica legislativa”, in Legislação – Cadernos de Ciência e Legislação , n.º 6, Janeiro-Março de 1993, p. 25). O princípio da tipicidade tem que ver, assim, com a exigência da determinabilidade do conteúdo da lei criminal. Conforme escreve Taipa de Carvalho ( Constituição Portuguesa Anotada, org. por Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo I, 2.ª edição, Wolters Kluwer Portugal – Coimbra Editora, 2010, p. 672), «(…) dada a necessidade de prevenir as condutas lesivas dos bens jurídico-penais e igualmente de garantir o cidadão con- tra a arbitrariedade ou mesmo contra a discricionariedade judicial, exige-se que a lei criminal descreva o mais pormenorizadamente possível a conduta que qualifica como crime. Só assim o cidadão poderá saber que ações e omissões deve evitar, sob pena de vir a ser qualificado criminoso, com a consequência de lhe vir a ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança. Daqui resulta a proibição de o legislador utilizar cláusulas gerais na definição dos crimes, a necessidade de reduzir ao mínimo possível o recurso a conceitos indetermi- nados, e o imperativo de não recorrer às chamadas “normas penais em branco”, salvo quando tal recurso se apresente como manifestamente indispensável e a norma para que é feita a remissão seja clara na descrição da conduta punível. Esta exigência, decorrente da razão de garantia do princípio da legalidade penal, é denomi- nada por princípio da tipicidade, traduzido pela conhecida formulação latina nullum crimen sine lege certa.»
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