TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
593 acórdão n.º 105/13 encontrava no domínio da moral social e não no domínio da liberdade pessoal (Sobre evolução, em Portugal, em matéria de criminalidade sexual, quer em termos legislativos, quer no que respeita ao bem jurídico pro- tegido, veja-se, entre outros, Figueiredo Dias, “Nótula antes do artigo 163.º”, in Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pp. 441-443; Inês Ferreira Leite, “A tutela penal da liberdade sexual,” in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 21, N.º 1, Janiero-Março 2011, pp. 26 e segs.; J. Mouraz Lopes, Os crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual no Código Penal , 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 13-17; Manuel Costa Andrade, Consentimento e acordo em Direito Penal, Contributo para a fundamentação de um paradigma dualista, Coimbra Editora, Coimbra, 1991, pp. 384 e segs.; Maria do Carmo Silva Dias, “Repercussões da Lei n.º 59/2007, de 4/9 nos crimes contra a liberdade sexual, Revista do Centro de Estudos Judiciários, 1.º Semestre de 2008, n.º 8, pp. 219-224; Rui Pereira, “Liberdade sexual: a sua tutela na reforma do Código Penal ,” in Sub judice – Justiça e sociedade , n.º 11, novembro de 1996, pp. 43 e segs.; Teresa Beleza, “Sem sombra de pecado: o repensar dos crimes sexuais na revisão do Código Penal”, in Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1986, pp. 155 e segs.; e Vera Lúcia Raposo, “Da moralidade à liberdade: o bem jurídico tutelado na criminalidade sexual,” in Liber Discipolorum para Jorge Figueiredo Dias , Coimbra Edi- tora, 2003, pp. 935 e segs., e o Acórdão n.º 247/05 do Tribunal Constitucional). Na versão inicial do Código Penal de 1982 não havia qualquer disposição legal correspondente ao atual artigo 170.º Apenas se previa, no artigo 212.º, o crime de “exibicionismo e ultraje público ao pudor” e, no artigo 213.º, o crime de “ultraje ao pudor de outrem”, comportamentos esses que vieram a ser descrimina- lizados com a Reforma do Código Penal de 1995, orientada no sentido de deixar de considerar os crimes sexuais como crimes ligados aos “sentimentos gerais de pudor e de moralidade sexual”. Com efeito, a revisão do Código Penal de 1995 alterou profundamente o enquadramento legal da cri- minalidade sexual, tendo subjacente o pressuposto de que só se pode considerar legítima a incriminação de condutas do foro sexual se e na medida em que atentem contra um específico bem jurídico eminentemente pessoal, sob pena de, não o fazendo, se estar perante um crime sem vítima. Os crimes sexuais deixaram, assim, de ser tidos como crimes contra os fundamentos ético-sociais da vida em sociedade, como acontecia com os crimes previstos nos artigos 201.º a 218.º da redação originária do Código Penal de 1982, para passarem a ser crimes contra as pessoas e, mais concretamente, contra a liberdade e autodeterminação sexual da vítima. Por outro lado, passou a distinguir-se, neste âmbito, entre crimes contra a liberdade sexual e crimes contra a autodeterminação sexual. Os primeiros são crimes cometidos contra adultos ou menores sem o con- sentimento destes, em que o que se pretende é garantir a proteção da liberdade sexual da vítima, ou seja, o poder de disposição do corpo pela pessoa, independentemente da idade. Já os segundos são crimes cometidos contra menores de modo consensual, com “consentimento” destes, em que o objeto de proteção é o livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual. É neste enquadramento, ou seja, enquanto crime contra a liberdade sexual, que deve ser perspetivado o tipo de ilícito previsto no artigo 170.º do Código Penal, com a redação resultante da revisão de 2007 do Código Penal que, no que agora nos interessa, entre outras alterações, introduziu o conceito de “contacto de natureza sexual”, visando punir o constrangimento a atos de natureza sexual que não tenham a dignidade de atos sexuais de relevo. É aliás, o que resulta da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 98/X, que esteve na origem da Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, onde se refere que «Para garantir a defesa plena da liberdade sexual, é criado um crime de importunação sexual, que abrange, para além do exibicionismo, o constrangi- mento a contactos de natureza sexual que não constituam atos sexuais de relevo.» O tipo legal em análise criminaliza, assim, a «importunação sexual» de outra pessoa através de duas condutas distintas: a prática, perante outra pessoa, de atos de caráter exibicionista; e o constrangimento de outra pessoa a contacto de natureza sexual. Deste modo, após a revisão do Código Penal de 2007, em matéria de criminalidade sexual, e com esta nova criminalização, a lei penal passou a distinguir, atenta a gravidade que representam em relação ao bem jurídico protegido, três categorias de atos: num primeiro plano, e como atos menos graves, estão os “atos de
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