TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

592 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por outro lado, o recorrente não deixa também de pretender sindicar o próprio ato de julgamento, ao sustentar que é inconstitucional «o entendimento segundo o qual poderá haverá condenação pelo crime de importunação sexual sempre e quando o ato típico se mostre unicamente ao nível da intenção sem produção de resultado ou dano em concreto, que seja comprovado, dado por provado ou assente» e «o entendimento de que para efeitos de condenação pelo crime de importunação sexual se baste o facto ilícito típico com a colocação dos braços sobre os ombros da vítima, em cada um dos lados do pescoço e apalpação dos seios, conjuntamente com a proferição de uma declaração de amor, traduzindo-se num comportamento instantâ- neo, ocasional e por uma única vez, sob pena de, a assim se entender, se alargar o âmbito da reação penal de forma desmesurada e a fortiori quando se trate de levantar ou puxar de camisola para espreitar dos seios, mero agarrão ou sua tentativa!». Nesta parte, o recorrente limita-se a imputar inconstitucionalidades à concreta decisão impugnada, na ótica do resultado do juízo subsuntivo ali efetuado, por referência aos factos dados como provados no caso concreto, situação que, naturalmente, transcende o âmbito do controlo normativo cometido ao Tribunal Constitucional. Assim, o objeto do recurso restringir-se-á à aludida questão da constitucionalidade do tipo de ilícito previsto no artigo 170.º do Código Penal, mais especificamente à previsão da conduta prevista na segunda parte deste preceito, e não a qualquer das referidas interpretações indicadas pelo recorrente que, como se referiu, não se revestem de conteúdo normativo. 2. Do mérito do recurso O recorrente pretende ver sindicada a constitucionalidade da norma constante do artigo 170.º do Código Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, sustentando que a referida norma confunde a necessidade de intervenção do Direito Penal, de ultima ratio , com moral e bons costumes, permitindo a punição de factos, como sejam os que foram dados como provados nos autos, que não atingem o patamar mínimo de dignidade penal. Acrescenta ainda o recorrente que tal norma, tendo um âmbito de aplicação geral, é inconstitucional por violação da exigência de lei certa e do princípio da legalidade, consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Cons- tituição, atenta a não determinação concretizante do facto ilícito típico, sendo, não uma norma, mas um princípio jurídico que se mostra depois concretizado e subsumido nos diversos crimes. Importa, pois, apreciar se lhe assiste razão, começando, antes de mais, por analisar o teor da norma em questão, bem como os antecedentes legislativos da mesma. O artigo 170.º do Código Penal, na redação atualmente vigente, sob a epígrafe «Importunação sexual», dispõe o seguinte: «Quem importunar outra pessoa praticando perante ela atos de caráter exibicionista ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.» No caso dos autos, está em causa a conduta prevista na segunda parte deste preceito, sendo por isso rela- tivamente a este segmento da norma que deverão ser apreciadas as questões de constitucionalidade suscitadas. Na sistemática do Código Penal, este crime encontra-se inserido nos “crimes contra a liberdade sexual”, dentro do título mais vasto dos crimes contra as pessoas. A redação atual do artigo resulta da revisão do Código Penal levada a efeito pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, que veio substituir o anterior texto constante do artigo 171.º introduzido pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, e que, sob a epígrafe «atos exibicionistas», dispunha que «Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de caráter exibicionista, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.» Trata-se de um tipo legal enquadrável na categoria comummente designada por «crimes sexuais». Estes crimes, na versão originária do Código Penal de 1982, estavam integrados na Secção II do Capítulo I (“Dos crimes contra os fundamentos ético-sociais”), do Título II (“Dos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade”), do Livro II (“Parte especial”), deixando transparecer a ideia de que o bem jurídico tutelado se

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