TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
59 acórdão n.º 96/13 23. Repare-se que, quanto ao círculo de não nacionais excluídos, ficam, desde logo, afastados todos aqueles cidadãos de países terceiros que residam em Portugal e possam legitimamente ter a pretensão de adquirir no nosso país a habilitação e formação necessárias para o exercício da atividade profissional de marítimo, sendo certo que, em virtude do condicionamento legislativo vigente, embatem no pré-requisito da nacionalidade, inviabilizador de um pedido de inscrição marítima junto das autoridades portuguesas, esta última, por seu turno e tal como legisla- tivamente conformada no artigo 2.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 280/2001, condição sine qua non do ingresso no exercício das funções correspondentes. 24. Atente-se, outrossim, que, por hipótese, não tendo estes estrangeiros residentes, nacionais de países ter- ceiros, obtido já noutro país as competências legalmente exigidas para o exercício da atividade profissional em causa, as situações em causa permanecem igualmente fora do sistema de reconhecimento de certificados, tal como regulado no Capítulo VI do Decreto-Lei n.º 280/2001, em domínio normativo que, de resto, não deixa de con- substanciar também a transposição de diretivas comunitárias. 25. Assim sendo, a solução que flui do artigo 4.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 280/2001 – e independentemente das condições que, a jusante, regulem o recrutamento dos marítimos para prestação de serviço a bordo –, repre- senta por si só um obstáculo dificilmente ultrapassável para aqueles cidadãos não nacionais e choca muito parti- cularmente, numa perspetiva de integração dos imigrantes, no tratamento que confere a estrangeiros – alguns de terceira geração – que escolheram Portugal como país de acolhimento, aqui residindo inclusive há tempo suficiente para evidenciar, se necessário for, uma medida razoável de conexão com o nosso país. 26. Isto, porquanto, não obstante o artigo 15.°, n.º 1, da Constituição respeitar aos estrangeiros e apátridas “que se encontrem ou residam em Portugal”, é admissível, em abstrato e no plano substantivo, que o princípio da equiparação não opere sempre de pleno ou em termos maximalistas relativamente aos que apenas se encontrem em território nacional, como já admitiu o próprio Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 423/01. 27. Sem que, em face daquele binómio, esteja em causa discutir no presente pedido a maior ou menor bondade de um regime diferenciado para estrangeiros residentes e para os que apenas se encontrem em Portugal – pois não é disso que se ocupa a norma contestada –, sempre se adiantará que qualquer que seja a opção do legislador nesta matéria, a consagração de um regime diferenciado deverá igualmente estar sempre justificado à luz dos requisitos constitucionais das restrições de direitos, liberdades e garantias (neste sentido, precisamente, Jorge Pereira da Silva, in Miranda, Jorge e Medeiros, Rui, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo 1, 2.ª edição, Coimbra: Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010, pp. 280-281). 28. Faço ainda notar que não curamos, para efeitos do presente pedido, da atividade exercida a bordo de embarcações integradas em serviços do Estado utilizadas em atividades de policiamento ou fiscalização, na medida em que estejam em causa funções públicas em que predomine o exercício de prerrogativas de autoridade pública – dimensão que cairia sob a alçada da previsão, na parte excecionatória pertinente, do aludido n.º 2 do artigo 15.° da Constituição; muito menos está em causa a atividade a bordo de embarcações pertencentes à Marinha, atenta, desde logo, a cláusula de exclusão dos não nacionais do serviço nas Forças Armadas (artigos 15.°, n. os 2 e 3, e 275.°, n.º 2, da Constituição). 29. Assim sendo e com a clarificação que antecede, o que sobressai na norma do artigo 4.°, n.º 2, do Decreto- -Lei n.º 280/2001, é a circunstância de o critério da nacionalidade, aí valorado de per se, vir erigido em autêntica condição de acesso à atividade profissional dos marítimos, pelo que a intervenção do legislador governamental, em violação do princípio da equiparação, revela outrossim uma limitação à liberdade de escolha de profissão, também ela recebendo dignidade jusfundamental no artigo 47.°, n.º 1, da Constituição e beneficiando do regime jurídico-constitucional próprio dos direitos, liberdades e garantias, por força do disposto no artigo 17.° da Lei Fundamental. 30. Sendo certo que do âmbito de proteção da liberdade de escolha de profissão relevam, justamente, em ter- mos jurídico-constitucionalmente conformados, o direito de escolha e o direito de acesso ou ingresso. 31. E sem que o texto constitucional tenha reservado a liberdade fundamental em causa exclusivamente a cida- dãos portugueses, a mesma vê aqui estreitado o seu âmbito subjetivo, por força da exclusão dos nacionais de países
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