TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
588 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A primeira dessas questões diz respeito à interpretação dos artigos 358.º e 379.º, n.º 1, alínea b) , do Código de Processo Penal (CPP). Segundo o recorrente, estas normas foram entendidas no sentido de o Tri- bunal ter legitimidade para «(…) de per si e unilateralmente, proceder à alteração da douta acusação pública, nomeadamente ao nível do local de prática dos factos, com eliminação de factualidade que deixa de figurar nos factos provados ou não provados e sua substituição, sendo fonte de anulação do julgamento e nulidade da douta sentença, mas unicamente na parte respeitante aos factos que foram objeto de tal alteração», sendo inconstitucional, segundo o recorrente, «(…) o entendimento segundo o qual a consideração na douta sen- tença condenatória de factos atinentes à execução do pretenso crime não alegados na douta acusação pública, com eliminação e substituição do descrito nesta, com relevância para a condenação e determinação da pena, não constituir alteração não substancial dos factos, nos termos e para efeitos do artigo 358.º do CPP, não estando em causa qualquer violação de direitos de defesa na diligência de deslocação ao local mas sim a final, com a proferição de douta sentença, bem como a qualificação de tal alteração que in casu clara e inequivoca- mente teve lugar como de “pormenor”, “pontual” e mera “redação de escrita». Relativamente a esta questão, resulta claro que não se está perante uma interpretação normativa, no sentido acima apontado, que possa constituir um objeto idóneo de fiscalização da constitucionalidade. Com efeito, o que o recorrente pretende é sindicar o próprio juízo efetuado pelo tribunal a quo, de aplicação dos preceitos que regem a alteração dos factos constantes da acusação em sede de julgamento ao caso concreto, na sua singularidade, sem que haja, relativamente a estas questões um critério normativo de decisão, de apli- cação potencialmente genérica, que tenha sido extraído das referidas normas. Assim, nesta parte, o recurso não deverá ser conhecido. A segunda questão foi identificada pelo recorrente como relativa ao «ónus sobre o arguido no sentido de aventar explicitação para a mentira das vítimas». Entende o recorrente que «se tem por inconstitucional a colocação de um eventual ónus sobre o arguido no sentido de que o mesmo tem de aventar uma justificação explicitante para a mentira das vítimas, por violação da presunção de inocência vertida no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) bem como demais garantias de defesa plasmadas no n.º 1, sempre e quando, como no presente caso, decorre e são manifestas as contradições e imprecisões, não só entre o depoimento das supostas vítimas como entre elas e a testemunha imparcial…» Também quanto a esta questão não se pode considerar que se esteja perante a suscitação da inconstitu- cionalidade de uma norma, nos termos acima referidos, visto que, uma vez mais, o que o recorrente pretende é sindicar o juízo concreto de apreciação da prova efetuado pelo tribunal recorrido, designadamente, quanto à veracidade da versão dos factos apresentada pelas vítimas. A isto acresce que, ainda que estivesse em causa uma verdadeira norma, o facto é que a mesma não integraria a ratio decidendi da decisão recorrida, uma vez que esta em momento algum entendeu que recaía sobre o arguido o ónus de apresentar uma justificação para a hipótese de as vítimas estarem a mentir relati- vamente aos factos que relataram. Aliás, é o que resulta expressamente do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20 de dezembro de 2011, ao referir que: «Basta ler a motivação do tribunal recorrido para se entender que não pretendeu exigir ao arguido que justificasse a hipótese das menores estarem a mentir. O que é nítido é que o tribunal teve o cuidado de averiguar algum motivo – ignorado – que pudesse justificar tal atitude processual». Tendo em conta o exposto, também nesta parte não deverá ser conhecido o recurso. A terceira questão foi enunciada pelo recorrente como respeitante ao «direito ao conhecimento integral do recurso e sua não cindibilidade», sustentando que é inconstitucional, «em violação do artigo 32.º, n.º 1, CRP, o entendimento segundo o qual o conhecimento do recurso se basta com as questões essenciais na ótica do Tri- bunal ad quem , sem que se mostre justificada qual a razão da desconsideração de algumas passagens indicadas e relatório final da Polícia Judiciária indicado em sede de recurso e que, modestamente, teriam a virtualidade de alterar a decisão final, seja ela de condenação versus absolvição ou simples alteração da medida da pena». Ainda segundo o recorrente, «a interpretação da garantia de um segundo grau de recurso em matéria de facto se mostraria com “pés de barro” atenta a cindibilidade, ausência de análise integral do recurso e
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