TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
58 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL direitos e deveres reservados pela Constituição exclusivamente a cidadãos portugueses; (d) direitos e deveres reser- vados pela lei exclusivamente a cidadãos portugueses. 16. Com relevo para a situação de tratamento inigualitário aqui em causa, importa atender a esta última exce- ção, i. e. , à possibilidade que o legislador tem de reservar determinados direitos a cidadãos nacionais ou, de outro modo dito, à reserva de lei restritiva expressamente consagrada pelo legislador constituinte na matéria em apreço. 17. A este propósito, recordo que J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ainda nas suas anotações ao artigo 15.º da Constituição ( ibid. , p. 358), balizam o exercício de um tal poder de determinação legislativa de exceções ao princípio da equiparação, mediante o recurso à fórmula seguinte: A lei não é livre no estabelecimento de outras exclusões de direitos aos estrangeiros. Sendo a equiparação a regra, todas as exceções têm de ser justificadas e limitadas devendo observar os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade quanto à restrição de direitos constitucionais, positivados na Constituição, ou legais, consagrados em lei ordinária (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 345/02). Aliás, as exceções só podem ser determinadas através da lei formal da AR [artigo 165.º, n.º1, alínea b) ], ela mesmo heteronoma- mente vinculada aos princípios consagrados neste artigo (sublinhados aditados). 18. Em similar linha discursiva se situa Jorge Miranda (in Miranda, Jorge; Medeiros, Rui, Constituição Por- tuguesa Anotada , Tomo 1, Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 133), para quem o princípio da equiparação de direitos se aplica “aí onde não sejam decretadas expressamente exclusões ou restrições de direitos dos estrangeiros e estas não podem ser tais (ou tantas) que invertam o princípio”, acrescentando: (…) Só quando haja um fundamento racional pode um direito atribuído a portugueses ser negado a estran- geiros (…). Por outra banda, as exclusões (ou as reservas de direitos aos portugueses) só podem dar-se por via da Constituição ou da lei. Quando não seja a Constituição a estipulá-las, tem de ser a lei, e lei formal; (…) donde, uma verdadeira reserva de lei, que é também uma reserva de competência da Assembleia da República quando se trate de direitos, liberdades e garantias [artigo 165.°, n.º 1, alínea b) ]. 19. Também em sintonia com a doutrina vertida, a jurisprudência constitucional vislumbra no artigo 15.° da Constituição «o módulo constitucional específico da igualdade de direitos entre os cidadãos portugueses e os demais» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 345/02). 20. Assim, com suporte no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 72/02, é possível retirar dessa jurisprudên- cia, conforme ficou expresso no citado Acórdão, “as seguintes ideias centrais, que não se vê razão para abandonar: – O artigo 15.º, n.º 1 da Constituição, garantindo aos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal os direitos e deveres do cidadão português, consagra o princípio do tratamento nacional; – Embora a Constituição consinta que a lei reserve certos direitos exclusivamente aos cidadãos portuguesas (artigo 15.º, n.º 2, in fine ) não pode fazê-lo de forma arbitrária, desnecessária ou desproporcionada sob pena de inutilização do próprio princípio da equiparação; – Os direitos referidos no artigo 15.°, n.º 1, da Constituição não são apenas os direitos fundamentais, os direitos, liberdades e garantias ou os direitos constitucionalmente garantidos, mas também os consignados aos cidadãos portugueses na lei ordinária”. 21. Em face da contextualização doutrinária e jurisprudencial que antecede e sem embargo de a Lei Funda- mental autorizar, conforme referido, as exceções ao princípio da equiparação previstas no n.º 2 do artigo 15.°, é inequívoco que a solução normativa vertida no n.º 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 280/2001 viola o princípio da equiparação, no segmento em que afasta do pedido de inscrição marítima os nacionais de países terceiros que não possam, para esse efeito, beneficiar de ato de direito internacional ou da União Europeia aplicável. 22. Assim é, efetivamente, porquanto não se vislumbra fundamento material bastante para a excessiva conce- ção protecionista que a norma impugnada encerra, erigindo-se uma solução discriminatória dos nacionais de países terceiros, no que ao acesso à atividade profissional em causa concerne.
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