TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
570 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL inscrição obrigatória, concluindo pela cumulação obrigatória de inscrição na falta de exercício cumulativo de atividades”, impede que possa ser formulado um juízo comparativo entre a posição dos solicitadores que, cumulativamente a uma atividade por conta de outrem, exerçam a atividade de solicitadoria por conta pró- pria e aqueles que só o façam por conta de outrem. Pelo contrário, o modo como o recorrente configurou o presente recurso implica que, na sua perspetiva, aquela interpretação normativa viole o princípio da igual- dade, “tendo presente a solução prevista no regime geral de segurança social dos trabalhadores independentes no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 328/93, de 25 de setembro” (fls. 238). É precisamente dessa interpretação normativa – e apenas dessa – que se curará. 5. É por demais conhecida a jurisprudência consolidada neste Tribunal – e seguida unanimente pela doutrina – acerca da natureza jurídico-constitucional do princípio da igualdade que assenta numa verdadeira igualdade material que não invalida – e antes impõe – um tratamento diferenciado de situações objetiva- mente diferenciadas (entre inúmeros outros, ver os Acórdãos n.º 39/88, n.º 188/90, n.º 1167/96, n.º 98/01 e n.º 437/06, todos disponíveis i n http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ). Assim sendo, o princípio da igualdade proíbe o arbítrio, ou seja, impede as diferenciações que se revelem desprovidas de um critério racional, suscetível de ser devidamente sustentado em outros valores constitucionalmente protegidos. Ora, desde logo se verifica que o exercício da atividade de solicitadoria não é objetivamente compará- vel ao exercício da esmagadora maioria das atividades prosseguidas pelos trabalhadores independentes, na medida em que carece de uma prévia inscrição na Câmara dos Solicitadores (artigo 75.º, n.º 1, do Estatuto da Câmara dos Solicitadores – ECS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de abril, de acordo com a redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro), ficando os titulares daquela habi- litação administrativa sujeitos ao poder disciplinar exercido pelos órgãos competentes da Câmara dos Soli- citadores [artigos 4.º, alínea g) , e 132.º e seguintes do ECS]. Além disso, é a própria lei que determina que a inscrição como solicitador implica a pertença a um regime específico de proteção social que é assegurado pela CPAS (artigo 113.º do ECS). Por conseguinte, em primeiro lugar, pode destrinçar-se a situação específica dos solicitadores face aos demais trabalhadores independentes em função da existência de um regime de regulação jurídico-adminis- trativa (como tal, de natureza pública) do acesso e do exercício da atividade de solicitadoria. Em função das exigências de proteção do interesse público que envolvem o exercício da solicitadoria, os solicitadores encontram-se sujeitos a várias restrições de acesso àquele exercício, designadamente, quando não disponham de idoneidade moral, designadamente quando tenham sido alvos de sanções penais ou disciplinares graves, quando estejam abrangidos pelo regime de incompatibilidades legalmente fixado ou tenham sido declarados insolventes (artigo 78.º do ECS). Acresce que só os solicitadores com inscrição em vigor na Câmara dos Solicitadores podem praticar atos próprios da profissão (artigo 99.º do ECS), gozando de direitos como o de requerer por escrito ou oralmente, em qualquer tribunal ou serviço público, o exame de processos, livros ou documentos que não tenham caráter reservado ou secreto, bem como a passagem de certidões, sem necessidade de exibir procuração (artigo 100.º do ECS), o direito de comunicar, protegidos pelo sigilo profissional (artigo 110.º do ECS), com os seus constituintes, mesmo quando estes se encontrem detidos ou presos (artigo 100.º, n.º 3, do ECS), bem com o direito de atendimento preferencial nas secretarias judiciais e outros serviços públicos (artigo 100.º, n.º 4, do ECS). Daqui decorre que os solicitadores gozam de um conjunto de prerrogativas legais que os distinguem, de modo flagrante, dos demais trabalhadores independentes. Tais prerrogativas não visam, predominante- mente, o benefício direto dos indivíduos que exercem aquela atividade, antes se destinando a salvaguardar o interesse público objetivo da prossecução da atividade de solicitadoria, que o legislador entendeu como essencial ao bom funcionamento do sistema de acesso à Justiça, tão reclamado pelo princípio do Estado de direito democrático. Ora, de certo modo, a garantia de um sistema sólido e efetivo de proteção social dos indivíduos que exercem a atividade de solicitadoria afigura-se essencial à própria independência e autonomia técnica dos
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