TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
57 acórdão n.º 96/13 às exigências de formação mínima, tempo de embarque, compartimentação e funções das categorias do pessoal marítimo. 5. Com referência à sistemática do Decreto-Lei n.º 280/2001, a norma impugnada insere-se na Secção 1 do Capítulo II, este sob a epígrafe “Inscrição marítima e cédula de inscrição marítima”, aquela Secção especificamente versando sobre a matéria da inscrição marítima. 6. Nestes termos, a inscrição marítima “é o ato exigível aos indivíduos de ambos os sexos que pretendam exercer, como tripulantes, as funções correspondentes às categorias dos marítimos ou outras funções legalmente previstas”, segundo o disposto no artigo 2.º, n.º 1, do diploma governamental em apreço. 7. Devendo a inscrição marítima ser requerida junto dos “órgãos locais do Sistema de Autoridade Marítima (SAM) competentes”, os indivíduos que a efetuem “tomam a designação de ‘inscritos marítimos‘ ou, abreviada- mente, de ‘marítimos’” (artigos 4.°, n.º 1, e 3.°, n.º 1, respetivamente, do Decreto-Lei n.º 280/2001). 8. Por seu turno, o exercício da atividade profissional dos marítimos apenas se encontra franqueada aos “ins- critos marítimos habilitados com as respetivas qualificações profissionais e detentores dos respetivos certificados”, conforme estatui o n.º 2 do artigo 3.° do mesmo diploma. 9. Neste enquadramento, dispõe o artigo 4.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 280/2001 [sob a epígrafe “Pedido de inscrição marítima”] o seguinte: “Podem requerer a inscrição marítima os indivíduos maiores de 16 anos de nacionalidade portuguesa ou de um país membro da União Europeia, sem prejuízo do disposto em convenções ou em outros instrumentos internacionais em vigor no ordenamento jurídico nacional”. I. Da violação do princípio da equiparação 10. Em face do exposto e no que sobressai para o presente pedido, resulta da parte relevante do preceito aca- bado de citar que, salvaguardado o círculo dos nacionais dos Estados membros da União Europeia, bem como excecionados os casos que possam estar abrangidos pelas situações previstas no segmento final da mesma norma, o pedido de inscrição marítima encontra-se reservado a cidadãos portugueses. 11. A valoração, nestes termos, do critério da nacionalidade no quadro do direito de ingresso numa atividade profissional, como a atividade dos marítimos, remete para a temática do estatuto constitucional dos estrangeiros e apátridas e para a consideração, nesta sede, do princípio da equiparação, por força do qual, na ordem jurídica nacional e salvaguardadas admitidas exceções, o gozo de direitos e a sujeição a deveres não dependem da cidadania portuguesa. 12. Com efeito, a questão do reconhecimento de direitos a estrangeiros e apátridas que se encontrem ou resi- dam em Portugal vem tratada no artigo 15.° da Constituição, preceito que acolhe, como é unanimemente aceite, a dimensão universalista e de amizade para com os direitos humanos que nutre o texto constitucional e, desde logo, também refletida nos princípios da universalidade e da igualdade que enformam o regime jurídico-constitucional dos direitos fundamentais (artigos 12.° e 13.° da Constituição). 13. Na doutrina constitucional, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira afirmam que «[o] preceito do n.º 1 [do mencionado artigo 15.°] inscreve-se na orientação mais avançada quanto ao reconhecimento de direitos funda- mentais a estrangeiros e apátridas que se encontrem ou sejam residentes em Portugal» (in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. 1, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 356). 14. No comentário dos mesmos Autores, “[a] Constituição, salvo as exceções do n.º 2, não faz depender da cidadania portuguesa o gozo dos direitos fundamentais bem como a sujeição aos deveres fundamentais. O princí- pio é a equiparação dos estrangeiros e apátridas com os cidadãos portugueses. (…) É o que se chama tratamento nacional, isto é, um tratamento pelo menos tão favorável como o concedido ao cidadão do país, designadamente no que respeita a um certo número de direitos fundamentais” ( ibid. , pp. 356-357). 15. Não revestindo o princípio da equiparação natureza absoluta, é a própria Constituição que estabelece, no n.º 2 do artigo 15.°, exceções ao princípio em causa, as quais podem agrupar-se nos seguintes moldes: (a) direi- tos políticos; (b) exercício das funções públicas que não tenham caráter predominantemente técnico; (c) outros
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