TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
560 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Subjacente a esta argumentação está o pensamento de que “o direito de contrainterrogar e contraditar diretamente toda a prova incriminatória que seja produzida na audiência de julgamento”, integra as garantias de defesa do arguido e o conteúdo do princípio do contraditório. Para a apreciação da questão, importa desde logo ter presente que, na solução adotada para a tomada de declarações ao assistente e às partes civis, o legislador não deixou de ter em atenção a circunstância de, sobretudo nos casos em que o lesado seja simultaneamente assistente e demandante civil e o arguido seja, ao mesmo tempo, demandado, estes terão no processo posições conflituantes, o que poderá levar a que a instância direta se torne potenciadora de uma maior crispação entre os intervenientes, com prejuízo para o normal funcionamento da audiência de julgamento. Ou seja, nesta situação, mesmo a admitir-se a eventual existência de maior espontaneidade decorrente da instância direta, tal alegada vantagem tenderia a ser prejudicada por uma maior perturbação dos trabalhos da audiência, com sacrifício do normal desenrolar da mesma e prejuízo para a correta valoração da prova. Por outro lado, no que respeita às garantias de imediação, não se vê que as mesmas possam ser colocadas em causa, quer pela solução da instância direta do julgador, quer pela solução resultante destas normas na interpretação da decisão recorrida. O princípio da imediação pode definir-se como « a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma perceção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão» (cfr. Figueiredo Dias, na ob. cit., p. 232). Ou seja, este princípio poderá ser entendido no sentido de ser exigível um contacto direto do Tribunal com todas as provas, as quais terão de ser produzidas e/ou analisadas em audiência de julgamento. É certo que entre as garantias de defesa consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, podemos incluir o princípio da imediação das provas, enquanto exigência do processo criminal de um Estado de direito assente no respeito da dignidade da pessoa humana. Assim, para que este princípio seja respeitado em sede audiência de julgamento, onde tem o seu campo essencial de aplicação, importa que não possam ser admitidas, nomeadamente para o efeito da formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, com a ressalva de algumas provas contidas em atos processuais cuja leitura em audiência, pelas suas características, deva ser permitida pela lei processual. Ora, sendo este o conteúdo deste princípio, não se vê em que termos o facto de ser o tribunal a inqui- rir diretamente o assistente ou o demandante civil e de ser também por seu intermédio que são pedidos os esclarecimentos pretendidos pelos demais sujeitos processuais, neles se incluindo os defensores dos arguidos, possa colocar em causa a garantia de imediação. Com efeito, esta garantia de imediação está igualmente salvaguardada quer na hipótese de o assistente ou demandante cível ser interrogado diretamente pelo mandatário do arguido, quer na hipótese de o ser por intermédio do juiz presidente, pois, em qualquer das situações, existe um contacto direto do Tribunal com as provas (neste caso as declarações do assistente e do demandante cível), as quais devem ser produzidas em audiência de julgamento, com a presença e intervenção dos restantes sujeitos processuais, a quem é conferida a possibilidade de avaliar e contraditar essa prova. Por outro lado, para além de, com rigor, não se poder falar da existência, entre as garantias de defesa, de uma garantia de espontaneidade das declarações de qualquer interveniente processual (podendo, quanto muito, no plano do direito infraconstitucional colocar-se a questão de saber qual o sistema que melhor favorece essa espontaneidade), o facto é que, em abstrato, não está demonstrado que a espontaneidade dos depoimentos seja favorecida ou desfavorecida pela instância direta dos mandatários dos sujeitos processuais, em detrimento do interrogatório efetuado com a mediação do Tribunal. Com efeito, numa instância direta, devido a posições processuais potencialmente conflituantes, poderão ter lugar diversas interrupções do juiz, com vista a assegurar a regularidade procedimental, o que, a verificar- -se, poderá contribuir para uma maior perturbação do interrogatório dos depoentes do que numa instância em que as questões são colocadas desde logo através da mediação do Tribunal.
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