TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
550 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL prova e julgamento a ter lugar em audiência, segundo os princípios de um processo de estrutura acusatória (os princípios da imediação, da oralidade e da contraditoriedade na produção dessa prova), o perigo de uma possível contaminação do juiz do julgamento, em consequência da aludida intervenção na validação de atos praticados em inquérito, é praticamente inexistente. Ou seja, a questão jurídica a decidir neste âmbito, segundo parâmetros objetivos que são sindicáveis, é inteiramente distinta da questão de fundo, razão pela qual não se poderá falar no perigo de formação, pelo tribunal de julgamento, de “pré-compreensões” no que respeita à culpabilidade dos arguidos. Com efeito, importa realçar que o Tribunal de julgamento, para além de não proferir qualquer decisão ou praticar qualquer ato em sede de inquérito ou de instrução, também não se pronuncia sobre a validade substancial das decisões proferidas nessas fases do processo, limitando-se, conforme se disse, a pronunciar- -se sobre quais os efeitos a retirar da declaração de incompetência do juiz de instrução criminal, quanto à validade/invalidade dos atos por ele praticados no decurso do inquérito, no sentido de apreciar da sua compatibilidade formal com as atribuições do juiz competente, sem que entre na apreciação das questões de fundo subjacentes a tais atos. Numa intervenção deste tipo não se pode entender que tal implique, por parte do Tribunal, a formulação de qualquer pré-juízo ou pré-compreensão sobre a culpabilidade dos arguidos ou uma quebra do dever de isenção ou de imparcialidade. Conclui-se, assim, que a interpretação normativa dos artigos 14.º, 17.º, n.º 1, in fine , 33.º, n.º 1, 268.º e 269.º, todos do Código de Processo Penal, aqui sindicada, não ofende o artigo 32.º, n.º 5, da Constituição. Mas o recorrente H. sustenta ainda que a interpretação normativa questionada, ao conferir competência ao Tribunal de julgamento para cumprir o acórdão proferido em 17 de janeiro de 2004 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, extravasa e anula a delimitação da competência funcional dos tribunais criminais contida naqueles preceitos, pelo que é inconstitucional, por violação do artigo 211.º, n. os 1 e 2, da Constituição. O artigo 211.º da Constituição, sob a epígrafe “Competência e especialização dos tribunais judiciais”, tem a seguinte redação: «1. Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais. 2. Na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas.» O n.º 1 deste artigo estabelece que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria civil e cri- minal, atribuindo-lhes competência jurisdicional residual, ou seja, em todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais. Por sua vez, o n.º 2, ao admitir a possibilidade da existência, na primeira instância, de tribunais de competência específica e de tribunais especializados para o julgamento de matérias determi- nadas, reserva para o legislador ordinário não só a opção sobre a criação desses tribunais, como também uma ampla liberdade de conformação na delimitação da amplitude da competência de cada um de tais tribunais. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade, por diversas vezes, de apreciar questões de constitu- cionalidade em que foi invocada a violação desta norma, a propósito da repartição de competências entre tribunais judiciais. Assim, recentemente, no Acórdão n.º 7/12, escreveu-se o seguinte: «[…] o n.º 2 do artigo 211.º permite que na primeira instância dos tribunais judiciais haja tribunais com competência específica e tribunais especializados para julgamento de matérias determinadas. Independentemente do sentido que deva conferir-se a esta distinção e que não interessa dilucidar, esta previsão não confere valor consti- tucional às normas de organização judiciária que, ao seu abrigo, tenham repartido a competência entre os diversos tribunais judiciais. E, por outro lado, também não reserva esse conteúdo para as leis especificas de organização judiciária, proibindo que as leis de processo se ocupem da matéria, porventura derrogando pontualmente o que daquelas resultaria.
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