TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
549 acórdão n.º 90/13 para validar ou não, no plano formal, atos praticados na fase de inquérito por juiz de instrução que veio a ser declarado funcionalmente incompetente, pode colocar em causa a independência e imparcialidade do juiz de julgamento, a ponto de implicar uma violação do princípio do acusatório. Nesta situação, o juiz do julgamento não praticou ou autorizou a prática de atos de inquérito ou de instrução no decurso destas fases processuais, isto é, não praticou atos ou autorizou diligências com vista à obtenção de provas que permitissem sustentar a culpabilidade dos visados, teve intervenção em quaisquer atos relativos à investigação ou instrução do processo, decretou a aplicação de quaisquer medida de coação de prisão preventiva ou formou qualquer juízo indiciário no que respeita à eventual sujeição dos arguidos a julgamento. No caso concreto, o que o tribunal de 1.ª instância fez, enquanto tribunal de julgamento, e na sequência do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de março de 2004, que determinou a anulação ou o aproveitamento dos atos processuais praticados ao longo da fase processual de inquérito pelo Juiz do 1.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, foi apreciar as consequências da declaração de nulidade do despacho de fls. 270 dos autos, proferido em 7 de janeiro de 2003 (acima referido) e, consequentemente, pronunciar-se quanto à validade ou invalidade dos referidos atos processuais, com vista ao seu aproveita- mento ou a ordenar a sua repetição. Assim, o tribunal que realiza o julgamento, ao proferir o despacho em questão, não tem qualquer inter- venção ou interferência nas fases de inquérito ou de instrução, nem procede a qualquer reconfiguração do objeto do processo, não podendo, por isso, falar-se em qualquer violação do princípio da estrutura acusatória do processo criminal, na dimensão em que exige que se diferencie o órgão que investiga do órgão que julga. Deste modo, resta apreciar se poderá ter havido violação do artigo 32.º, n.º 5, da Constituição, pelo facto de esta intervenção do tribunal de julgamento ser apta a razoavelmente permitir que se formule uma dúvida séria sobre as condições de isenção e imparcialidade dos juízes que o integram ou a gerar uma descon- fiança geral sobre essa mesma imparcialidade e independência, pelo facto de proferirem um despacho em que se pronunciam pela validade dos atos praticados pelo Juiz de Instrução Criminal competente, determinando o seu aproveitamento. Desde logo se dirá que esta intervenção, enquadrada na atividade de saneamento do processo, numa lógica de aproveitamento ou não de atos praticados em fase de inquérito, tendo em vista a sua validação ou não, no plano formal, é atividade diversa da apreciação das questões a decidir no julgamento propriamente dito. Com efeito, conforme resulta do artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na atividade de “saneamento do processo” está compreendida a possibilidade de o tribunal de julgamento se pronunciar “(…) sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer”. Esta norma, sob a epígrafe “Saneamento do processo”, está inserida no Título I (atos preliminares), do Livro VII, do Código de Processo Penal, relativo à fase de julgamento, fase processual esta que se segue imediatamente à acusação que encerra a fase do inquérito, no caso de não ter havido instrução ou, na hipótese inversa, após a prolação do despacho de pronúncia. Ora, esta intervenção processual isolada do tribunal de julgamento, procedendo, neste âmbito, à vali- dação formal de atos praticados em inquérito, não converte o tribunal em órgão de acusação, até porque, estando o processo em fase de julgamento e tendo sido encerradas as fases de inquérito e de instrução, esse risco fica afastado. Por outro lado, nem pela sua frequência, intensidade ou relevância, tal tipo de intervenção é apto à criação de pré-juízos ou pré-compreensões sobre a culpabilidade dos arguidos, que firam a objeti- vidade e isenção do juiz de julgamento, uma vez que este, no despacho em causa, se limita a efetuar uma apreciação eminentemente formal de atos anteriormente praticados. Acolhendo o princípio da economia processual, segundo a tese da decisão recorrida, nele apenas se verifica se foram praticados atos pelo juiz declarado incompetente que não se inseriam no objeto do processo ou aqueles que foram praticados extrava- sando e, consequentemente, violando as competências jurisdicionais atribuídas no Código de Processo Penal ao juiz considerado competente. Neste contexto, e não se podendo confundir a validação formal de atos praticados em inquérito por juiz de instrução que veio a ser declarado funcionalmente incompetente, com a atividade de produção da
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