TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

537 acórdão n.º 90/13 e a sua convicção (artigo 127.º do Código de Processo Penal). Se os titulares de interesses juridicamente relevantes no processo penal reconhecem, numa opinião unânime, que, apesar das circunstâncias em que foi produzida aquela prova, ela pode ser útil para o julgamento do pleito, a suspeição que sobre ela recaía deixa de ter razões que impeçam a sua ponderação. Pode então dizer-se que, em matéria de admissibilidade da leitura de declarações prestadas antes do julgamento perante o Ministério Público ou órgão de polícia criminal por pessoa que aí deponha, vale o princípio do dispositivo, estando nas mãos dos sujeitos processuais, por acordo, decidir sobre a sua utilização. Os recorrentes alegam que a exigência de que o assistente consinta na leitura dessas declarações em audiência, a requerimento do arguido, com a finalidade de assistentes, testemunhas ou partes civis serem confrontados com elas, de modo a que o Tribunal possa aferir da credibilidade dos seus depoimentos, des- respeita as garantias de defesa do arguido, referidas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, designadamente o direito ao contraditório, uma vez que impede o arguido de aceder a um meio de defesa que se encontra nos autos, limitando injustificadamente o seu direito a contraditar os depoimentos testemunhais em sentido amplo, em audiência de julgamento. O direito de defesa do arguido engloba todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação , mas não é um direito absoluto e irrestrito que lhe permita a utilização de qualquer meio de prova no seu interesse. O legislador pode, e muitas vezes deve ( v. g. as situações previstas no n.º 8 do artigo 32.º da Constituição), impedir a utilização de provas cuja forma de obtenção ou conteúdo viole outros interesses dignos de tutela, designadamente quando elas tenham sido obtidas de forma que comprometa a sua credibilidade. Necessário é que essa limitação não se revele arbitrária ou desproporcionada. Já vimos que a regra da proibição de utilização de depoimentos prestados perante outras entidades que não um juiz, em fases do processo anteriores ao julgamento, mesmo como um mero instrumento auxiliar de valo- ração da prova produzida em audiência, tem o seu fundamento nas desconfianças sobre a fiabilidade dos depoi- mentos prestados à margem dos princípios da imediação, da oralidade e da contraditoriedade na produção da prova, e obtidos sob a direção de uma entidade que não disponha da garantia judicial. Se tais depoimentos podem suportar a decisão de deduzir uma acusação, as circunstâncias em que foram prestados suscitam naturais interrogações sobre a sua idoneidade para fundamentar uma decisão de condenação ou absolvição. Tais desconfianças, perante tal circunstancialismo, são inteiramente legítimas, colocando em causa a credibilidade dos resultados deste modo de recolha de prova testemunhal em sentido amplo, pelo que não se revela arbitrária nem desproporciada a proibição da leitura de tais declarações em julgamento, quer como meio de prova, quer como mero instrumento auxiliar de valoração da prova testemunhal em sentido amplo aí produzida, uma vez que há sempre o risco dessa leitura contaminar os depoimentos prestados na audiência de julgamento. Sendo estes os fundamentos da proibição, ela tem necessariamente como destinatários todos os sujeitos processuais, incluindo o arguido. A suspeição que recai sobre uma prova devido ao modo como foi obtida é independente de quem dela se pretende servir. Saber até onde deve ir a severidade desta proibição ou quais as exceções que a mesma pode admitir é uma discussão inserida na área de liberdade de conformação do legis- lador na compatibilização de interesses conflituantes, não competindo a este Tribunal pronunciar-se sobre qual é a melhor solução ao nível infraconstitucional. A opção pela relevância de um consenso entre os titulares de interesses juridicamente relevantes no processo penal para que uma prova deste tipo, cuja credibilidade está sob suspeita, devido ao modo como foi obtida, possa ser admitida em julgamento, insere-se nesse espaço de liberdade do legislador ordinário, não infringindo qualquer diretriz constitucional, designadamente o direito de defesa do arguido ou o direito a um processo equitativo. É a necessidade do acordo do assistente para que uma iniciativa do arguido, no sentido de confrontar um testemunho produzido em audiência com declarações anteriores prestadas em fase de inquérito, possa ser deferida, que está particularmente em causa no presente recurso.

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