TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
536 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL – as declarações prestadas perante juiz, Ministério Público, ou órgãos da polícia criminal se o Minis- tério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo [n.º 2, alínea b) , e n.º 5 – a conjugação de preceitos a que se reporta a norma de cunho interpretativo aqui sob fiscalização]. Na Revisão do Código de Processo Penal de 1998, a respetiva Proposta de Lei (n.º 157/VII), com origem num projeto elaborado por uma Comissão Revisora nomeada pelo Ministro da Justiça de então, alargava a possibilidade de leitura de declarações anteriores ao julgamento na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos ou quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias, às declarações prestadas perante o Ministério Público. Esta solução, porém, não viria a ser acolhida pela Assembleia da República, encontrando-se, contudo, em discussão neste órgão uma nova proposta de alteração do Código de Processo Penal (Proposta de Lei n.º 77/XII) que retoma o alargamento da utilização da leitura de declarações anteriores ao julgamento às prestadas perante o Ministério Público. Como se vê, o sistema em vigor é severamente limitativo quanto à leitura, durante a audiência de jul- gamento, das declarações de testemunhas e assistentes proferidas em sede de inquérito, perante o Ministério Público ou órgãos de polícia criminal. Apenas as admite, independentemente da finalidade dessa leitura, quando exista um acordo nesse sentido que englobe o Ministério Público, o arguido e o assistente. Isto tem como resultado, inexistindo esse acordo, a impossibilidade da sua utilização por parte do tribunal, não só na formação da sua convicção, mas também como instrumento auxiliar no avivamento da memória de quem presta declarações em audiência ou na aferição da credibilidade desses depoimentos. A esta solução preside a ideia inicial de que toda a prova em que se funde a convicção do julgador tem de ser realizada na audiência e segundo os princípios naturais de um processo de natureza acusatória (os princí- pios da imediação, da oralidade e da contraditoriedade na produção dessa prova), pelo que toda a derrogação a esta linha de pensamento só pode ser afirmada como exceção, justificada por um determinado circunstan- cialismo e regulada segundo um princípio de concordância prática dos valores conflituantes (vide Damião da Cunha, em “O regime processual de leitura de declarações na audiência de julgamento (artigos 356.º e 357.º do CPP). Algumas reflexões à luz de uma recente evolução jurisprudencial”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7, Fasc. 3.º, pp. 405-406). Daí que, sendo a prova testemunhal em sentido amplo, quanto à sua formação, uma prova constituenda, como regra geral se proíba a admissão em julgamento da leitura de anteriores declarações processuais. Na verdade, este tipo de prova, em fase de julgamento, só está imune a qualquer juízo de desconfiança, relativamente à sua autenticidade e credibilidade, quando ela é produzida perante o julgador, aos olhos do público e com o contributo dialético dos sujeitos processuais. É essa desconfiança que, na opção legislativa, não permite a transmissibilidade daquelas declarações para a fase de julgamento, sobretudo quando elas não foram prestadas perante um juiz, dado que, quando a entidade inquiridora foi o Ministério Público ou um órgão de polícia criminal se entende que as expectativas de quem procede à inquirição, que resultam da hipótese formulada para a investigação ou da convicção formada por outros indícios já recolhidos, têm influência sobre as declarações recolhidas (vide Germano Marques da Silva, em “Produção e valoração da prova em processo penal”, na Revista do CEJ , n.º 4, p. 43). O legislador, porém, não entendeu dotar esta proibição de prova duma força que a subtraísse ao funcio- namento duma ideia, com problemática aceitação no processo penal, de autorresponsabilidade probatória das partes, numa dimensão que lhes confere poderes para disporem, por consenso, sobre a validade de deter- minadas provas (vide Paulo Dá Mesquita, em A prova do crime e o que se disse antes do julgamento. Estudo sobre a prova no processo penal português, à luz do sistema norte-americano, p. 607, 2011, Coimbra Editora, e Damião da Cunha, na ob. cit., pp. 415-417). Encontrando-se todos os sujeitos processuais de acordo quanto à admissibilidade da leitura de declarações prestadas por assistentes e testemunhas, em fase anterior à do jul- gamento, cessa a preocupação com as desconfianças que a valia de tais declarações poderia suscitar, uma vez que os eventuais afetados pela utilização dessa prova pré-constituída manifestam a sua vontade dela ser usada, sendo certo que o julgador avaliará sempre livremente da sua relevância, segundo as regras da experiência
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