TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

535 acórdão n.º 90/13 Por outro lado, achando-se presente na audiência a testemunha em causa, há de dizer-se que quanto ao seu depoimento e à sua razão de ciência o arguido tem a possibilidade legal de exercer um pleno direito de defesa ( the accused has the right […] to meet witnesses face to face, como se escreve no artigo 1.º, secção 9, da Constituição dos Estados Unidos da América). A exigência de um consentimento alargado ao Ministério Público, ao arguido e à defesa, para que a leitura das declarações seja possível não se apresenta como encurtamento ou restricção inadequada ou inadmissível das garantias de defesa, traduzindo-se, ao contrário, numa linha de concretização do princípio geral sobre a produção de prova em audiência constante do artigo 355.º, n.º 1, o qual visa essencialmente a garantia da posição processual do arguido. Não se tem assim por existente qualquer violação constitucional daquela norma.» A norma em causa nestes recursos regula a possibilidade de leitura na audiência de julgamento de autos de declarações prestadas anteriormente por assistentes ou testemunhas que deponham nessa audiência. No Código de Processo Penal de 1929, apesar de todas as alterações a que foi sujeito, o regime de leitura de declarações prestadas na fase instrutória do processo por testemunhas e declarantes que depusessem na audiência de julgamento manteve-se incólume durante o seu longo período de vigência no artigo 438.º Per- mitia-se apenas a leitura desses relatos escritos após testemunhas e declarantes terem deposto na audiência de julgamento, com a finalidade de esclarecerem ou completarem os seus depoimentos. Privilegiava-se, assim, a oralidade e a imediação da prova, sem que o interesse na obtenção da verdade material não deixasse de permitir o recurso à leitura de depoimentos cuja prestação não reunia essas características, com a finalidade de avivar a memória das testemunhas e declarantes no momento da audiência de julgamento, permitindo simultaneamente ao tribunal aferir da credibilidade dos seus depoimentos. A Lei de Autorização Legislativa n.º 43/86, de 26 de setembro, ao abrigo da qual o Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, aprovou o Código de Processo Penal de 1987, limitava-se a dizer, no ponto 63, do artigo 2.º, que o Decreto-Lei a apresentar pelo Governo devia conter a “proibição, salvo em casos excecionais, de valoração em julgamento de quaisquer provas que não permitam o estabelecimento do con- traditório em audiência, alargando nomeadamente o elenco de situações em que são proibidas as leituras de autos de instrução contendo declarações de arguidos, assistentes, partes civis ou testemunhas não presentes na audiência de julgamento”. A especial preocupação com a leitura de declarações prestadas, em fase de ins- trução, por pessoas que não se encontrassem presentes na audiência de julgamento, resultava da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 439.º do Código de Processo Penal de 1929, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, “na medida em que permite a leitura em audiência de julgamento de depoimentos de testemunhas de acusação que não compareçam naquela audiência e às quais o arguido não tenha tido previamente a possibilidade jurídica de interrogar ou fazer interrogar” ( Resolução n.º 146-A/81, do Conselho da Revolução, publicada no Diário da República , I Série, de 3 de julho de 1981, mediante Parecer da Comissão Constitucional n.º 18/81, de 27 de junho de 1981, em Pareceres da Comis- são Constitucional, vol. 16, pp. 147 e segs.). No entanto, o Código de Processo Penal de 1987 não se limitou a proibir a leitura de depoimentos presta- dos em fase anterior ao julgamento por pessoas que não se encontrassem presentes na audiência, tendo come- çado por, no artigo 355.º, impor, como regra geral, que a produção de toda a prova a ser utilizada para efeitos de fundamentação da decisão judicial tenha de ser feita em sede de audiência de julgamento. E, no artigo 356.º, onde se instalaram as exceções a esta regra geral, apresentando um esquema mais restritivo para a reprodução das declarações processuais, nos casos em que a fonte da prova é inquirida em julgamento, do que nos casos em que essa inquirição não é possível, apenas permitiu a leitura das seguintes declarações prestadas anteriormente à audiência de julgamento por assistentes, partes civis ou testemunhas que deponham na audiência: – as declarações prestadas perante juiz na parte necessária ao avivamento da memória de quem decla- rar na audiência que já não recorda certos factos, ou quando houver entre elas e as feitas em audiên- cia, contradições ou discrepâncias (n.º 3);

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