TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
534 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Os arguidos A. e H., na audiência de julgamento em 1.ª instância, requereram, por diversas vezes, a lei- tura de declarações prestadas no inquérito por assistentes e testemunhas, para serem confrontadas com o con- teúdo dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, a fim de ser avaliada a credibilidade destes. Os assistentes opuseram-se a essa leitura. OTribunal, em vários despachos, indeferiu esta pretensão, com fundamento na oposição dos assistentes. Os arguidos recorreram destas decisões para o Tribunal da Relação de Lisboa que, no acórdão proferido em 23 de fevereiro de 2012, julgou improcedente os recursos, com fundamento no disposto nos artigos 356.º, n.º 2, alínea b) , e n.º 5, e 355.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que, não tendo os assistentes dado o seu consentimento à leitura, pedida por um arguido, de declarações produzidas, em inquérito, por assistentes e testemunhas, essa leitura não pode ser admitida em audiência de julgamento, assim como o subsequente confronto de tais assistentes e testemunhas com essas declarações . Os arguidos defendem que este critério viola o reduto essencial das garantias de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição) e o direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição), ao não permitir que este demonstre a falta de credibilidade dos depoimentos prestados em audiência, através do seu confronto com as declarações prestadas em sede de inquérito pelos mesmos depoentes. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre esta questão, tendo no Acórdão n.º 1052/96 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ), proferido uma decisão de não inconstitucionalidade. Disse então o Tribunal Constitucional: «(…) A leitura dos autos e declarações autorizada pelo artigo 356.º representa uma emanação da oralidade e publicidade da audiência, traduzindo-se porém em exceção ao princípio da imediação da prova, exceção justificada pela impossibilidade ou grande dificuldade da sua produção direta ou por outras razões pertinentes. Mas, nas situações que, a título taxativo, são previstas naquele preceito houve o evidente propósito de acautelar as garantias de defesa do arguido, nomeadamente o princípio do contraditório estabelecendo-se um regime dife- renciado em função, não só da natureza dos atos processuais, como também da autoridade judiciária ou de polícia criminal perante quem foram praticados. A diferenciação de tratamento estabelecida para a leitura em audiência dos diversos atos ali previstos radica na sua particular natureza e conteúdo mas também, e é esse um ponto que aqui importa sublinhar, nas maiores ou menores garantias processuais com que os mesmos foram praticados (com as formalidades estabelecidas para a audiência, levadas a cabo perante o juiz, perante o Ministério Público ou perante órgãos de polícia criminal). (…) Em conformidade com o disposto no artigo 32.º da Constituição “o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa” (n.º 1), revestindo “estrutura acusatória” e “estando a audiência de julgamento e os atos instru- tórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório” (n.º 5). Quando aquele preceito se reporta a “todas as garantias de defesa”, considera indubitavelmente todos os direi- tos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação. O posicionamento do arguido num processo de tipo acusatório há de revestir uma situação de reciprocidade dialética face à acusação, pelo que, em conformidade, devem ser-lhe atribuídos aqueles meios legais de intervenção que compensem o desequilíbrio, que é pressuposto indispensável de uma correta administração de justiça. O princípio do contraditório é, afinal, expressão, ao nível jurídico-processual, do princípio da igualdade. (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 3.ª edição, 1993, pp. 202 e segs. e José António Barreiros, Processo Penal, vol. 1.º, pp. 401 e segs.). A norma posta em crise só consente a leitura do depoimento da testemunha – presente na audiência de julga- mento – prestado no inquérito perante um órgão de polícia criminal, desde que se verifique acordo por parte do Ministério Público, do arguido e do assistente. Este condicionamento acha-se fundado, desde logo, na circunstância de as declarações cuja leitura se pretende não terem sido prestadas com observância das formalidades estabelecidas para a audiência ou perante juiz, não existindo quanto a elas as garantias dialéticas de contraditoriedade constitucionalmente asseguradas.
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