TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

531 acórdão n.º 90/13 Ora, a Constituição ( maxime , artigo 32.º n.º 1), se assegura o direito ao recurso, deixa, no entanto, ao legisla- dor ordinário uma margem de livre conformação na regulação do recurso, não impondo, de modo algum, que esta se traduza na permissão de um segundo julgamento da questão decidida em 1.ª instância. Nesta lógica se compreende, sem vício de inconstitucionalidade, a proibição de junção de documentos super- venientes com vista a alterar a matéria de facto dada como provada em 1.ª instância.» É nítido que a interpretação sindicada está diretamente conexionada com a perspetiva sobre os termos em que a lei ordinária define o âmbito dos recursos em processo penal, particularmente no que concerne à reapreciação da matéria de facto. OTribunal recorrido revela a sua visão sobre este tema quando disserta a propósito do disposto no n.º 1 do artigo 410.º do Código de Processo Penal: “Deste preceito legal resulta que os recursos dirigidos a um tribunal hierarquicamente superior não se desti- nam a apreciar questões novas, não visam avaliar em primeira linha questões que não tenham sido suscitadas na 1.ª instância. Pelo contrário, estes meios de impugnação das decisões judiciais visam a reanalise, a reapreciação, de questões que já tenham sido conhecidas pelo tribunal recorrido ou que podiam e deviam ter sido conhecidas, apesar de não terem sido apreciadas, com o intuito de correção de vícios, de erros, de omissões ou de escolha da melhor solução jurídica para o caso. A interposição de recurso deixaria de consubstanciar um meio de impugnação das decisões judiciais, de sin- dicância e de avaliação do seu mérito, com o intuito da sua modificação, para passar a ser um meio de vinculação do tribunal de recurso, do tribunal hierarquicamente superior, à decisão de questões novas, ainda não apreciadas pelo tribunal recorrido. Deste modo, não ocorre qualquer vício da decisão judicial, suscetível de reparação pelo tribunal hierarquica- mente superior através de recurso, quando o tribunal de 1.ª instância não teve a possibilidade de se pronunciar sobre a questão que motiva a interposição do recurso, muito em particular por essa questão nova não ser cognos- cível à data da decisão impugnada, por ter sido suscitada após a sua prolação, sendo desconhecida para o tribunal a quo. ” Em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição que, relati- vamente à sentença condenatória, se traduz na necessidade de assegurar ao arguido a faculdade de pedir a sua reapreciação, quer quanto à matéria de direito, como à matéria de facto, por um tribunal superior. Mas, o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o con­trolo efetuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex novo da matéria de facto, com direito à produção de novos meios de prova, designadamente os supervenientes, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando, face às provas produzidas na 1.ª instância, conforme já se decidiu no Acórdão n.º 59/06 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ), onde se lê: «Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1.ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julga­mento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução (…).». Daí que o direito do arguido recorrer da sentença condenatória, na parte em que decidiu a matéria de facto, possa não contemplar a possibilidade do tribunal de recurso apreciar novas provas que o arguido apre- sente em sede de recurso, mesmo que estas sejam supervenientes. É que tal fundamento de recurso já não se situa em sede de apreciação da correção do julgamento da instância inferior que não teve a possibilidade de ponderar tais provas, visando antes a realização de um novo julgamento pelo tribunal de 2.ª instância, que também valore a prova apresentada já em sede de recurso.

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