TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
52 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Para Gomes Canotilho, a autonomia das autarquias locais é mesmo configurada na Constituição “como dimensão da organização do Estado unitário” ( Direito Constitucional e Teoria da Constituição , 7.ª edição, Coimbra, 2003, p. 361). Sendo o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais pessoas coletivas territoriais, pode concluir- -se que “o ordenamento constitucional português compreende, portanto, três níveis territoriais: o nacional, o das regiões autónomas e os das autarquias locais” (assim, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portu- guesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, p. 146). Nos termos do n.º 1 do artigo 235.º da Constituição, a organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais, garantindo-se e impondo-se a existência de autarquias locais em todo o país, o que se traduz na obrigatoriedade de todas as parcelas do território, continental e insular, estarem cober- tas por municípios e freguesias, as principais (e atualmente vigentes) categorias de autarquias locais (artigo 236.º, n. os 1 e 2, da CRP). Do conceito de autarquia local proposto por José de Melo Alexandrino – «a forma específica de organi- zação territorial, na qual uma comunidade de residentes numa circunscrição territorial juridicamente deli- mitada dentro do território do Estado prossegue interesses locais, através do exercício de poderes públicos autónomos» (“Direito das Autarquias Locais – Introdução, princípios e regime comum” in Paulo Otero/ Pedro Gonçalves (coord.) Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. IV, Coimbra, 2010, p. 111), faz o Autor decorrer alguns aspetos a assinalar, relevando os dois primeiros: « (i) Em primeiro lugar, a ideia de que há (e houve) outras formas de organização territorial (como as regiões autónomas, as áreas metropoli- tanas (…) ou as organizações de moradores); (ii) Em segundo lugar, também a ideia de que a especificidade dessa organização se traduz desde logo no facto de a mesma constituir ‘um imperativo constitucional’ (ou do Estado constitucional), seja ela objeto de receção histórica, de reconhecimento explícito ou produto de criação legal» ( ob. cit., loc. cit. ). Com efeito, e como se viu a partir da leitura dos n. os 1 e 2 do artigo 236.º, este imperativo constitucio- nal opera à escala nacional: a Constituição faz coincidir as categorias de autarquias locais imperativamente existentes no território continental e insular, municípios (nível concelhio) e freguesias (nível infraconcelhio ou paroquial). Deverá ter-se presente, a este respeito, que «as regiões autónomas, enquanto entes públicos territoriais específicos, não “compreendem freguesias e municípios”, visto que estes não são entes integrados naquelas; o que se quer dizer é que nas regiões autónomas (i. é, no seu território) as autarquias são apenas as freguesias e os municípios» (cfr. J. J. Gomes Canotilho/ Vital Moreira, ob. cit., p. 720). Deste modo, não pode deixar de se reiterar uma ideia que já foi expressivamente afirmada na juris- prudência constitucional, acentuando a unidade do sistema autárquico para o território nacional a par do respeito pelo regime autonómico insular como componentes fundamentais da organização do Estado por- tuguês, e ilustrada na seguinte passagem do Acórdão n.º 4/00: «(…) na Constituição, convivem, assim, a autonomia regional e o sistema autárquico, unitário para todo o território nacional, sendo ambos, indiscuti- velmente, elementos essenciais da organização do Estado». 10.5 Conclui-se, assim, que as normas questionadas não versam sobre a criação, extinção ou modifica- ção, em concreto, de autarquias locais, não configurando o exercício dos poderes atribuídos, pela alínea l) do n.º 1 artigo 227.º, às regiões autónomas; antes versam sobre matéria incluída na reserva de lei estadual – concretamente, sobre o regime de criação, extinção e modificação de autarquias locais, incluído na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República [alínea n) do artigo 164.º] – a qual decorre do princípio geral da unidade do Estado (artigo 6.º). Não está, pois, verificada a invocada inconstitucionalidade das normas dos artigos 1.º, n.º 2, 3.º, alínea d) , e 18.º da Lei n.º 22/2012.
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