TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
515 acórdão n.º 90/13 A data do acontecimento continua a ser não concretamente apurada, mas em vez de uma sexta-feira do mês de junho de 2000, passou a estar indiciado o abuso sexual como tendo ocorrido entre os meses de abril e julho de 1999. O arguido continua a ser o arguido F. e o menor abusado o G.. O local do cometimento do crime mantém- -se numa casa sita na Avenida da República, em Lisboa, particularizando-se a localização da casa como sendo perto da zona da Feira Popular. Pergunta-se, seguindo o pensamento de Souto Moura, este facto processual ainda é o mesmo, na medida em que o acontecimento histórico que enquadra ainda é visto pelo comum das pessoas como sendo o mesmo? Não podemos deixar de concluir positivamente. Para o comum das pessoas, para o homem médio, o aconte- cimento histórico é aquele abuso sexual alegadamente perpetrado pelo arguido F. sobre o menor G. numa casa na Avenida da República. Não é irrelevante conseguir determinar a data, ainda que aproximada, em que isso aconte- ceu – até porque o tipo de crime pressupõe que o menor se enquadre dentro de uma determinada faixa etária – mas essa circunstância “tempo”, ainda que variando no espaço de um ano, não transforma o acontecimento histórico num outro totalmente diferente. Segue-se a comunicação de uma alteração de data, ainda referente ao arguido F., no sentido de que factos ocorridos dias depois da situação referida no ponto “2. que antecede”, ainda em junho do ano 2000, podem ter ocorrido em dia não concretamente apurado, mas situado no período das férias escolares do verão de 1999. Mais uma vez temos um arguido e uma vítima identificada, sendo imputados ao arguido um concreto número de abusos sexuais praticados na pessoa daquele menor. Se uma determinada unidade factual histórica vem descrita como tendo acontecido dias depois de uma outra bem concreta, que indiciariamente se alterou do ano de 2000 para o ano de 1999, a alteração, quanto à situação que ocorre de seguida, também de junho de 2000 para o período de férias escolares do verão de 1999, não só é lógica, como não contende com os elementos constitutivos essenciais do crime. Seguindo, desta vez, as palavras de Germano Marques da Silva, os novos factos podem ainda integrar a hipótese de facto histórico descrito no despacho de pronúncia. O cidadão comum não teria dificuldade de assim o identi- ficar.” (fls. 807-809 do Acórdão).» Da leitura deste excerto resulta, com clareza, que também, relativamente à qualificação das alterações dos factos imputados ao arguido F. como não substanciais, ela não resultou da aplicação do critério norma- tivo cuja inconstitucionalidade foi invocada pelo arguido, mas sim duma ponderação das concretas altera- ções efetuadas ao conceito de “crime diverso”. Não se revelando, por isso, que a norma, cuja fiscalização foi requerida, tenha integrado a ratio decidendi do acórdão recorrido, não deve o mérito do recurso ser conhecido nesta parte. 1.5.3.3. Questão 3 do requerimento de interposição de recurso O arguido F. pediu, no ponto 3 do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Consti- tucional, a fiscalização da constitucionalidade da norma constante do artigo 358.º do Código de Processo Penal, interpretado com o sentido de que a comunicação de alterações de enorme amplitude quanto ao lugar e/ou ao tempo de factos indiciários pode sempre ser feita até ao encerramento da audiência de julgamento. O Ministério Público pronunciou-se pelo não conhecimento desta questão de constitucionalidade, defendendo não existir uma coincidência entre o critério normativo enunciado no requerimento de interpo- sição de recurso e o critério aplicado pela decisão recorrida, por um lado, e o critério cuja inconstitucionali- dade foi suscitada perante o tribunal recorrido, por outro lado. Lendo o modo como foi suscitada a questão perante o tribunal recorrido e o modo como este sustentou a possibilidade de proceder à alteração dos factos constantes da pronúncia na audiência de julgamento veri- fica-se que a enunciação da questão no requerimento de interposição de recurso apenas excede o suscitado e a ratio decidendi quando qualifica as alterações em causa como de “enorme amplitude”.
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