TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
489 acórdão n.º 90/13 b) Admitindo, mas sem conceder, que o prazo dos seis meses para o exercício do direito de queixa, nos crimes contra a autodeterminação sexual, não caduque decorrido esse prazo sobre o conhecimento dos factos e dos seus autores, há que determinar até que momento pode o Ministério Público declarar o interessa da vítima e promover o processo. c) O entendimento normativo efetuado na decisão cuja constitucionalidade se questiona, permite que ao Ministério Público seja consentido, ao abrigo do disposto no artigo 178.º n.º 4 do Código Penal declarar o interesse das vítimas menores de 16 anos de idade (à data da ofensa) sem qualquer limitação temporal, mesmo quando a vítima já não possa exercer o direito de queixa por este direito ter caducado (por terem decorrido mais de seis meses sobre a idade em que a vitima adquire capacidade), e mesmo ainda decorridos seis meses após o conhecimento pelo Ministério Público dos autores do crime. d) O artigo 113.º do Código Penal com a redação anterior à operada pela Lei 59/2007 não previa qualquer limite temporal à possibilidade de o Ministério Público declarar o interesse da vítima e dar início ao pro- cedimento criminal, o que veio a ser introduzido pela Reforma de 2007, concretamente no n.º 5 do artigo 113.º do Código Penal. e) Revestindo o direito de queixa natureza processual, não obstante se encontrar regulado no Código Penal, as suas alterações são de aplicação imediata, visto não resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa, conforme previsto na alínea b) do artigo 5.º do Código de Processo Penal. f ) Sendo a decisão judicial que aprecie a exceção de caducidade e de ilegitimidade do Ministério Público deduzida em data posterior à decisão judicial, haveria que em cumprimento do disposto no artigo 5.º n.º 1 do Código de Processo Penal, aplicar o disposto no n.º 5 do artigo 113.º e com isso declarar verificada a exceção, sob pena de violação do princípio da legalidade. g) O exercício do direito de queixa insere-se numa da manifestações processuais do direito constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, contemplado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, que constitui uma das vertentes essenciais de um Estado de Direito Democrático, mas que tem como limite, o principio da legalidade previsto no artigo 1.º n.º 3 do Código Penal e igualmente com assento constitucio- nal, designadamente nos seus artigo 29.º e 203.º. h) Só com a Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro que alterou a redação dos artigos 113.º, 115.º e do artigo 178.º do Código Penal, foi excluída a necessidade de queixa para o procedimento criminal, quanto ao crime de abuso sexual de crianças, p.p. (agora) no artigo 171.º do Código Penal. i) Pelo que a interpretação normativa efetuada dos artigo 48.º, 49.º n.º 1 do Código Processo Penal e os artigo 113.º, 115.º e 178.º do Código Penal, violou frontalmente o princípio da legalidade a que devem obedecer todas as decisões judiciais, por força do imperativo constitucional consagrado no artigo 203.º da Lei Fundamental, estando, por esta razão, ferido de inconstitucionalidade, bem como o artigo 29.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, nos termos já indicados, o que deverá ser declarado. j) Ainda que o recorrente tenha admitido a possibilidade de à luz dos normativos aplicáveis ser possível a interpretação conjugada dos artigo 113.º, 115.º e 178.º do Código Penal no sentido de ser admissível a apresentação de queixa no prazo de seis meses decorridos sobre a aquisição da capacidade de queixa pela vítima, a verdade é que a única norma aplicável ao caso era, então, a constante do artigo 115.º, n.º 1 do Código Penal, cuja redação não sofreu alterações, sendo a seguinte: “O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz”. k) Assim sendo, a interpretação que as normas aplicadas ao caso, maxime da constante do artigo 115.º, n.º 1 do Código Penal, de que o direito de queixa se extingue no prazo de 6 meses contados da data em que o ofendido perfizer 16 anos de idade, não encontra qualquer fundamento na letra daquele preceito legal, pelo que não permite a realização de uma interpretação extensiva do mesmo.
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