TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
484 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ab) As alegações orais terminaram em fevereiro de 2009, após o que se sucederam sessões mensais para “pro- dução de prova complementar” – o que, na prática, redundou em visionamento de DVDs e na abertura de documentos já juntos aos autos – vindo o Tribunal, após as necessariamente breves alegações comple- mentares e as últimas declarações dos Arguidos, comunicar a alguns a alteração dos factos, na sessão de 23 de novembro de 2009. ac) Objetivamente concluímos que o Tribunal de primeira instância comunicou a possibilidade de alterações de factos, quase um ano após todas as alegações finais, réplica e resposta das defesas estarem concluídas, e quase quatro anos depois do fim das declarações dos Assistentes. ad) A interpretação meramente literal dos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal permite que a iniciativa de alteração dos factos possa ter lugar, a requerimento de qualquer um dos sujeitos processuais, ou oficiosamente, até ao final da discussão da causa. ae) No entanto, a interpretação da oportunidade da convocação do instituto em causa não se pode ater ao seu elemento literal – “se no decurso da audiência” antes tendo de ser integrada pelos restantes princípios informadores do sistema processual penal, constitucional, numa compaginação dos direitos de defesa e respetivas garantias e o dever de perseguir a verdade material. af ) Com a comunicação de alteração de factos não está, pois, em causa, a consequente produção de prova suplementar relativamente a um qualquer facto complementar, mas antes a produção de prova que a defesa entenda por necessária ao exercício efetivo do direito de defesa, no que se inclui a renovação dos meios de prova tidos por necessários e convenientes ao cumprimento efetivo das garantias de defesa consagradas no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. ag) Até porque, a alteração de um local determinado para um não concretamente apurado numa zona algo vaga, configura, em boa verdade, uma nova acusação que, como tal, implica uma nova contestação, com indicação da prova que for tida por adequada, respetiva produção, enfim, um novo julgamento. ah) Há que ter em conta a inserção sistemática dos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal, que surgem antes da norma respeitante às alegações orais, que, por sua vez, precede a norma referente às últi- mas declarações do arguido e ao encerramento da discussão, que se impõe por elementares exigências de asseguramento da máxima extensão das garantias de defesa. ai) A alteração de um local concretamente situado, para um local indeterminado dentro de um grande bairro de moradias, na zona de duas ruas, numa década atrás, não pode respeitar o princípio do processo equita- tivo, redundando afinal numa autêntica e inadmissível alteração qualitativa da pronúncia, o que esvazia de sentido útil a defesa deduzida pelo arguido. aj) Em homenagem ao princípio da lealdade processual, há que assegurar as garantias de defesa, a garantia de um processo justo e equitativo e a igualdade de armas entre acusação e defesa, garantias conferidas ao arguido pelo artigo 20.º n.º 4 e 32.º n.º 1 ambos da Constituição da República Portuguesa. ak) Muito naturalmente, os arguidos organizam e sustentam a sua defesa relativamente aos factos que lhes são imputados na acusação e/ou na pronúncia, cuidando de levar aos autos, dentro do que lhe for possível, prova de vária índole relacionada com o local concreto onde os crimes teriam ocorrido, e não quanto a toda uma zona desconhecida. al) O momento temporal da admissibilidade das alterações previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal tem que ser interpretado e aplicado em sintonia com o disposto nos artigos 360.º e 361.º do Código de Processo Penal, dos quais resulta que, na tramitação normal, finda a produção de prova, incluindo a sequente à comunicação de alterações, se seguem as alegações orais e a estas as últimas declarações do arguido. am) A interrupção desta sequência na tramitação processual normal está admitida apenas em casos excecionais de produção de prova superveniente, conforme o n.º 4 do artigo 360.º do Código de Processo Penal, mas sem a demonstração de tais excecionalidade e superveniência, a admissão de alterações após conclusão das alegações orais, embora consentida pela mera literalidade legal – “no decurso da audiência” –, constitui surpresa e irracionalidade processuais, violadoras da plenitude das garantias de defesa conferida pelo artigo
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=