TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

482 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do tempo dos crimes imputados, são alterações não substanciais dos factos, por violação do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. f ) Em relação ao crime respeitante ao Assistente C., o local passou de uma vivenda concretamente identificada – sita na Rua …, n.º …, Restelo, Lisboa – para uma “(…) moradia localizada no Restelo. No Bairro de moradias em que se situam as Ruas.. e a Rua …. E na zona dessas ruas, mas não limitada a localização a uma dessas duas ruas.” g) Considerando que naquele bairro (como em qualquer bairro na zona de Lisboa) existem centenas de mora- dias, para o recorrente, parece inquestionável a afirmação que os factos que integram o crime, deixaram de estar indiciados como tendo ocorrido num lugar certo e determinado, para passarem a poder ter ocorrido, num local indeterminado. h) De acordo com a interpretação efetuada, se ocorrer uma diferença de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos materialmente relevantes de construção e identificação factual e que determine a imputação de crime diverso, temos uma alteração substancial dos factos. i) Face ao disposto no artigo 1.º, n.º 1 do Código Penal em abstrato, crime é o facto descrito e declarado punível por lei. j) A concretização processual da abstração legal “crime” terá que ser efetuada em conformidade com o esta- belecido no artigo 283.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal: a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao Arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, nomeadamente, o lugar e o tempo. k) Sendo tal narração que, acompanhada da indicação das disposições legais aplicáveis, constitui a imputação de um crime concreto ao Arguido, imputação que o disposto no artigo 339.º, n.º 4 do Código de Processo Penal impõe que se mantenha na discussão da causa, embora “sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos”. 1) Não há facto material ou ato físico sem tempo e sem lugar, pelo que o lugar e o tempo integram ontologica- mente o próprio facto ou ato, mas a sua indicação pode ser impossível, quer por indeterminabilidade, quer por não ter sido alcançada a determinação; m) Mas uma vez feita a determinação, o tempo e o lugar integram o facto não só ontologicamente mas tam- bém quanto à sua cognição, pois o facto criminoso não é uma abstração parcelada, é um facto concreto e unitário. n) O tempo e o lugar, se concretamente determinados, integram o próprio facto, pois o facto criminoso não é uma abstração parcelada, é um facto concreto e unitário. o) Apesar de o crime poder ser imputado mesmo sem a narração espacial e temporal, sendo possível, a imputa- ção processual integra a narração, “ainda que sintética” (artigo 283.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal) do tempo e do lugar, mas alterando-se a narração do núcleo do tempo ou do lugar que integram o crime imputado, verifica-se a imputação de um crime diverso, não é mantida a imputação do mesmo crime. p) A nova indiciação de um crime em concreto diverso, não é confundível com a indiciação de um diverso tipo legal de crime, a qual, sem alteração da narração factual, incluindo o lugar e o tempo, constitui alteração da qualificação jurídica dos factos. q) Apenas se a nova indiciação não alterar o núcleo factual narrado na imputação, limitando-se a explicitar ou esclarecer a narração, ainda que sintética, dos factos, incluindo o lugar e o tempo, é que se mantém a imputação do mesmo crime, com alteração não substancial dos factos. r) Os limites à identidade do crime, na qualificação duma alteração, terão que ser a total garantia dos direitos de defesa do Arguido e a prossecução da justiça e da verdade material, pelo que, sempre que essa alteração possa pôr em causa a defesa, estaremos perante uma alteração substancial dos factos. s) Nos crimes contra a autodeterminação sexual, dada a sua normal privacidade, o exercício da defesa incide, essencialmente, sobre o núcleo dos elementos temporal e espacial dos factos criminosos imputados e, se

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