TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
48 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do Continente, e as Assembleias Legislativas regionais, quanto às autarquias das ilhas [artigos 227.º, n.º 1, alínea l) , e 232.º, n.º 1, da CRP] – vide, neste sentido, J. J. Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, II, 4.ª edição, Coimbra, 2010, p. 315; Jorge Miranda, “Anotação ao Artigo 164.º” in Jorge Miranda/ Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, II, Coimbra, 2006, p. 521. Em texto doutrinário anterior à revisão constitucional de 1997, António Cândido de Oliveira escreveu: «O direito de autonomia das autarquias locais não garante o direito à existência de cada uma delas (…). Assim, nada impede a criação de novas autarquias locais nem a modificação e extinção das atualmente existen- tes. O que está impedido é a alteração do atual mapa territorial das autarquias locais sem observância de algumas regras constitucionalmente estabelecidas. Desde logo, o regime relativo a esta matéria é da exclusiva competência da AR, sob a forma de reserva absoluta (…). Por outro lado, a criação, modificação ou extinção em concreto das autarquias locais, no que toca aos arquipélagos dos Açores e da Madeira, é da competência das respetivas regiões autónomas, embora com respeito, como é óbvio, pelo regime legal estabelecido pela AR» ( Direito das Autarquias Locais, Coimbra, 1993, p. 261). O regime constitucional vigente deriva das alterações ao texto constitucional introduzidas pela revisão de 1997, passando a própria criação, extinção e modificação das autarquias locais a integrar a matéria da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República e não apenas o respetivo regime de criação, extinção e modificação. Contudo, e como decorre da própria formulação constitucional [atual artigo 164.º, alínea n) , da Constituição], a competência exclusiva da Assembleia da República é consagrada sem prejuízo dos poderes das regiões autónomas, mantendo-se, assim, intocado o poder de as Assembleias Legislativas das regiões autónomas legislarem sobre a criação e extinção das autarquias locais, bem como sobre a modificação da respetiva área, no território insular correspondente [artigo 227.º, n.º 1, alínea l) , da CRP] – tal é o sentido do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 22/2012, confirmado pelo artigo 9.º, n.º 4, da Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro, sobre Reorganização Administrativa do Território das Freguesias, que expressamente exclui do âmbito de aplicação da Lei o disposto naquele n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio. Pode ler-se, a este propósito, no Acórdão n.º 134/10: «Com a Revisão de 1997, o legislador constituinte estendeu a reserva de competência absoluta da Assembleia da República à criação concreta, assim como à extinção ou modificação de autarquias locais, que, desse modo, passou a ficar vedada ao Governo – salva- guardando os poderes das regiões autónomas sobre a matéria, para os efeitos do disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea l) , que confere a estas entidades o poder de “criar e extinguir autarquias locais, bem como modi- ficar a respetiva área, nos termos da lei” (…)» (cfr. n.º 6.3). Cumpre não obstante acentuar, como fazem Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva que a “ressalva dos poderes regionais não abrange, todavia, o regime jurídico nos termos do qual se procederá a essa criação, extinção ou modificação, matéria em que os órgãos de governo próprio [das regiões autónomas] não têm quaisquer poderes” (cfr. Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores Anotado , Lisboa, 1997, p. 89). Entende-se que o regime que a alínea n) do artigo 164.º reserva à competência exclusiva da Assem- bleia da República consubstancia uma lei-quadro ou lei de enquadramento, que vincula as leis que lhe dão execução (assim J. J. Gomes Canotilho/ Vital Moreira, ob. cit., pp. 315 e 677; e Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, V, 4.ª edição, Coimbra, 2010, p. 388). Essa natureza de lei com valor reforçado foi reconhecida, pelo Acórdão n.º 134/10, à Lei n.º 142/85, de 18 de novembro, designada “Lei-quadro da criação de municípios”, conferindo-lhe valor paramétrico para julgar ilegal uma norma da Lei n.º 83/98, de 14 de dezembro, que criou o município da Trofa. Com efeito, como se afirma naquele Acórdão «Prevendo a Constituição a existência de uma lei destinada a definir, em abstrato, o regime que outras leis deverão obser- var quando, em concreto, procederem à criação de cada autarquia local, não pode deixar de reconhecer-se que ela tem em vista a existência, neste domínio, de uma lei com valor paramétrico, ou seja, dotada de valor reforçado em relação às leis que concretizem o exercício dessa competência.» (cfr. n.º 6.3).
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