TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
479 acórdão n.º 90/13 entanto, se pronunciasse sobre o conteúdo do artigo 438.º CPP que permitia a leitura de depoimentos de testemunhas presentes em audiência de julgamento, salientamos que desde que já tivessem deposto previamente. au) Em 1996, por iniciativa do Ministro da Justiça Vera Jardim, foi criada nova Comissão de Revisão do Código de Processo Penal, que deu luz à que veio a ser a proposta de Lei 157/VII, onde se previa o seguinte aditamento ao n.º 3 do artigo 356.º, que não veio a ser aprovado: Artigo 356.º (Leitura permitida de autos e declarações) (…) 3. É também permitida a leitura de declarações anteriormente prestadas perante o Juiz ou perante o Ministério Público: a) Na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos; ou b) Quando houver, entre elas e as feitas em audiência, con- tradições ou discrepâncias; av) Importa ainda destacar que com o Código de Processo Penal de 1987 o Ministério Publico passou a ter um estatuto inquestionável de autoridade judiciária essencial no iter processual, competindo-lhe entre outras competências: colaborar “com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito” (artigo 53.º), especialmente através da direção do inquérito, deduzir a acusação e sustentá-la em sede de instrução e durante o julgamento. Sendo no âmbito do inquérito da competência do Ministério Público, a pratica dos atos que o constituem, assim como assegurar os meios de prova (art. 267.º) que levem à prossecução das finalidades desta fase processual (art. 262.º). aw) Com o Código de Processo Penal de 1987, deixou de existir uma fase investigatória centrada na instrução e com uma forte intervenção do Juiz de Instrução Criminal, para passar a haver um inquérito, sob direção do Ministério Público, como forma usual de efetuar a investigação criminal, passando a instrução para uma fase facultativa de controlo da acusação e de via de defesa do arguido, com o Juiz de Instrução Criminal como garante do cumprimento das liberdades constitucionais do arguido. ax) Esta alteração é de importância para o assunto em análise, por representar a modificação do paradigma investigatório no campo da política criminal, deslocando o papel de órgão responsável pela investigação da esfera da magistratura judicial para a magistratura do Ministério Público. az) Dispõe o artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa que Ministério Público é um órgão de justiça a quem compete exercer a ação penal orientado pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática, o que é aliás também previsto estatutariamente, pelo que não pode ter, qualquer interesse particular na procedência da acusação, sendo sua obrigação recorrer das decisões desconformes com a lei e o direito, mesmo que no exclusivo interesse da defesa ou em contrário a posição anteriormente assumida no processo. ba) Assim se chegou à redação do artigo 356.º n.º 2 alínea b) e n.º 5 do CPP que apenas viria a ser alterado com a Lei 48/2007, 29 de agosto, sem que compreenda qual a ratio da atual redação da norma, que não sendo lido à luz dos artigo 32.º n.º 1 e 5, 18.º e 204.º da CRP, tolhe gravemente as garantias de defesa dos arguidos, quando precisamente o regime consagrado no artigo 356.º existe precisamente para dar concre- tização às garantias de defesa. bb) Interpretar o artigo 356.º n.º 2 alínea b) e n.º 5 do CPP no sentido de conferir ao Ministério Público e ao assistente o poder de se oporem à admissão da prova produzida antes do julgamento (leitura e exame de depoimentos prestados perante o Juiz, Ministério Público e órgãos de polícia criminal) é admitir uma limitação ao princípio da descoberta da verdade, e negar ao arguido o direito a um julgamento equitativo e justo. bc) Pelo que as citadas disposições, mormente o artigo 356.º n.º 2 alínea b) e 2 e 351.º ambos do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido do acórdão recorrido, violam as garantias de defesa consignadas no n.º 1 e 5 do artigo 32.º da CRP e reflexamente o princípio do Estado de Direito fixado no artigo 2.º da CRP e ainda o estatuto constitucional do Ministério Público fixado no n.º 1 do artigo 219.º da CRP. bd) Os direitos de defesa do arguido estão e têm que estar, constitucionalmente consagrados numa perspetiva de garantia de utilização de todos os meios possíveis para comprovação da sua inocência, não como forma de obstaculizar à descoberta da verdade material.
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