TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
477 acórdão n.º 90/13 x) Já sobre a extensão processual do princípio do contraditório dispõe o n.º 5 do artigo 32.º da Constituição que a ele está subordinada a audiência de julgamento, bem como os atos instrutórios que a lei determinar, remetendo assim para a lei ordinária a tarefa de concretização dos atos instrutórios que hão de ficar subor- dinados ao princípio do contraditório. z) Por conseguinte, o entendimento do artigo 356.º n.º 2, alínea b) e 5 do CPP no sentido de não ser admissível a leitura em audiência das declarações prestadas em inquérito, estando as testemunhas presentes na audiência, quando expressamente requerido pelo arguido, é violador do principio do contraditório, estabelecido este como modalidade exponencial de favor libertatis, não se compadecendo com quaisquer limitações à possibilidade de um mais amplo e cruzado debate das provas, por parte defesa. aa) Inexistindo em processo em que a ofensa seja de abuso sexual, gravações resultantes de escutas, fotografias de atos que configurem ou sequer sugestionem abusos pendas indicadoras que datem os abusos nas datas imputadas na acusação/pronúncia, inexistindo ainda testemunhas presenciais, que tivessem assistido aos abusos o depoimento dos ofendidos/assistentes tem um peso necessariamente fulcral e deverá ser rodeado de todas as cautelas, sob pena de se porem em causa as garantias de arguidos constitucionalmente presu- midos inocentes. ab) Inexistindo enquadramento ou apoio de psicólogos ou psiquiatras em termos de não respeitarem os pro- cedimentos adequados à inquirição de jovens abusados, o depoimento dos ofendidos/assistentes deverá ser rodeado de todas as cautelas, sob pena de se porem em causa as garantias de arguidos constitucionalmente presumidos inocentes. ac) Carecem de redobradas cautelas, situações em que antes de serem ouvidos pelos peritos médicos, assistentes sejam longamente ouvidos pela policia judiciária, correndo-se o risco de a verdade ser desvirtuda em detri- mento de quaisquer outros interesses ou princípios. ad) Haverá que atentar ainda na circunstância de entre a prática de factos criminosos e a prestação de depoi- mentos em audiência, mediar um período curto ou longo, levando muitas vezes os julgadores a recorrer a notas que tomaram dos depoimentos prestados em audiência quatro ou cinco anos antes. ae) A leitura de declarações de testemunhas presentes em julgamento, permitindo o seu confronto com as declarações que já haviam prestado – não antes de serem inquiridos, mas na sequência dessas declarações, perante o Mmo. Coletivo, com sujeição à oralidade, imediação e de forma contraditória, respeitando o princípio da concentração da prova na audiência de julgamento, permitirá alcançar o verdadeiro objetivo do processo, que é a descoberta da verdade dos factos, pressuposto da necessidade à sujeição da sanção penal. af ) Não se pode fazer verdadeira justiça se o tribunal não tiver conhecimento das declarações prestadas por jovens alegadamente vítimas, durante o inquérito, de forma a avaliar cabalmente a sua credibilidade, tendo em conta a evolução do seu discurso e a natureza das contradições desse discurso, sendo certo que é consen- sual na doutrina científica, que a avaliação dessas contradições é elemento imprescindível para a formulação de um juízo adequado quanto àquela credibilidade. ag) O princípio da Verdade Material traduz-se na necessidade de o tribunal esclarecer os factos, indepen- dentemente da acusação e da defesa, não se opondo a investigação ao principio da acusação ou mesmo a estrutura acusatória do processo penal. ah) Não se cuida de princípios que se devam sobrepor à procura da verdade material – como sendo por exem- plo situações de proibição de prova previstos no artigo 126.º do CPP atentos os valores subjacentes da dig- nidade da pessoa humana e o respeito pelos direitos humanos, nem tão pouco perturbação da capacidade de memória ou de avaliação, visto que como é sabido as memórias mais fiéis são as mais recentes em relação ao acontecimento, aquele deveria ter prevalecido. ai) A interpretação efetuada não respeitou todas as garantias de defesa e os limites às restrições no seu exercício acarreta, necessariamente, a inconstitucionalidade das normas interpretadas e a sua inaplicabilidade pelos tribunais de acordo com o artigo 204.º da Lei Fundamental.
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