TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

476 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL l) Estabelece o artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente ali previstos, devendo tais restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e estabelecendo ainda que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos Constitucionais. m) Em razão do que, por imperativo constitucional, todas as normas processuais têm que ser interpretadas de modo que as restrições ao exercício de todas as garantias de defesa respeitem os limites constitucionais, ainda que com interpretação restritiva ou extensiva, desde que necessárias e adequadas para assegurar que não sejam ultrapassados os limites constitucionais, sob pena de acarretar necessariamente a inconstitucio- nalidade das normas interpretadas e a sua inaplicabilidade pelos tribunais de acordo com o artigo 204.º da Lei Fundamental. n) O entendimento normativo dos preceitos em causa e a sua aplicação, ao deixar ao arbítrio sistemático e infundamentado do Ministério Público e dos assistentes obstar à produção de meios complementares de prova que os arguidos, únicos titulares das garantias de defesa, considerem pertinentes e necessários viola frontalmente as garantias de defesa do arguido. o) Por sua vez o princípio da oralidade implica que a forma da decisão a ser obtida deva ser a mesma proferida com base em audiência de discussão oral da matéria a considerar, e o princípio da imediação implica que a forma da decisão a ser obtida pressupõe uma relação de proximidade comunicante entre o Tribunal e os participantes no processo, de tal forma que aquele possa obter uma perceção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão. p) Ora, com a leitura em audiência, das declarações prestadas em inquérito ambos os princípios se encontram salvaguardados, pois, durante o julgamento, a leitura dessas declarações é feita perante o tribunal. q) A leitura em audiência das declarações prestadas anteriormente pelas testemunhas/assistentes permite – efe- tivamente, que sobre as mesmas se exerça o contraditório, garante a discussão oral sobre o seu teor, estando por força do disposto no artigo 355.º n.º 1 do Código de Processo Penal, o Tribunal impedido de as valorar sem a sua renovação na audiência e tão pouco o arguido impossibilitado de descredibilizar o que é dito, por confronto com o que foi dito anteriormente. r) Também na medida em que a leitura das declarações em nada pode interferir com a espontaneidade das declarações prestadas em sede de julgamento, uma vez esta leitura ocorrerá necessariamente em momento subsequente aos depoimentos dos assistentes e testemunhas em audiência de julgamento. s) A admitir-se que prejudicava a espontaneidade das declarações, também não faria sentido consagrar-se a possibilidade de haver leitura por consenso das partes. t) Sendo lidas em audiência as declarações e depoimentos prestados em inquérito, e subsequentemente, caso assim se entenda, sejam objeto de confronto com as prestadas em audiência, tal ato não só não interfere com a referida espontaneidade das declarações prestadas em audiência, mas o confronto permite inclusiva- mente que o Tribunal possa melhor avaliar da espontaneidade ou não dos depoimentos. u) Assim, tal leitura e confronto em nada inquina o processo de formação da convicção com fundamento em utilização de prova proibida, já que a requerida leitura constitui uma salvaguarda das garantias de defesa permitida pelo espírito que presidiu à proibição ínsita do estatuído nos artigos 355.º e 356.º do Código de Processo Penal e pelas disposições constitucionais aplicáveis em sede de interpretação destes preceitos. v) O principio da descoberta da verdade material é o primeiro objetivo do processo penal, e sempre que o processo deixe de se guiar por este, estaremos necessariamente perante uma violação do principio do Estado de Direito, em que resulta a compressão injustificada dos direitos, liberdades e garantias. w) O Tribunal Constitucional tem entendido que o princípio do contraditório imposto, quanto à audiência de julgamento em processo penal, pelo n.º 5 do artigo 32.º da Constituição, exige que ao arguido seja garantido o poder de discutir, contestar, ou debater o valor probatório de qualquer prova utilizada na audiência. Destaca-se o Acórdão do TC 372/2000 in DR II série de 13-11-2000:

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