TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

473 acórdão n.º 90/13 garantias de defesa do arguido, onde se inscreve o direito de exercer plenamente o contrainterrogatório de toda a prova oral produzida em audiência de julgamento. j) O regime definido nos artigos em causa para as declarações do assistente e das partes civis foi consagrado, essencialmente por o legislador considerar que tais sujeitos processuais iriam formular, durante tais declara- ções, uma mera repetição das pretensões subjacentes à sua posição, visto que têm um interesse no resultado da ação oposto ao do arguido, não constituindo tais declarações forma probatória com a relevância de uma testemunha (que é por essência parte sem interesse na causa), de documentos autênticos, de apreensões, vigilâncias e outros meios de prova. k) Independentemente do atual estatuto do assistente, a verdade é que não há equiparação possível entre a tutela do estatuto processual do arguido, e a tutela do estatuto processual do assistente, detentores de inte- resses opostos e contrapostos, com tutelas constitucionais distintas. l) As normas do artigo 346.º, n.º 1 e artigo 347.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal., não foram pre- vistas para uma realidade complexa, mas para uma situação simples e mecânica, em que todo o processo se preenche de prova distinta e diferenciada, prova testemunhal, documental, apreensões e buscas, vigilâncias, reconhecimentos e não fundamentalmente nas declarações dos queixosos/assistentes. m) O sentido expresso sobre estas normas não está conforme com os princípios constitucionais do contraditó- rio pleno e da presunção de inocência, consagrados no âmbito dos direitos e garantias do arguido, previstos no artigo 32.º, n. os 1, 2 e 5, da Constituição da República Portuguesa, pelo que a interpretação normativa dos artigos 346.º, n.º 1 e 347.º n.º 1, ambos do Código de Processo Penal efetuada na decisão recorrida é inconstitucional por violação direta daqueles preceitos constitucionais, o que deve ser declarado por este Douto Tribunal. n) Relativamente à segunda questão de inconstitucionalidade suscitada esta resulta do facto de, tanto o tri- bunal de 1.ª instância como o tribunal de recurso terem entendido que a ordem definida para a realização das instâncias é imperativa, exaustiva e taxativa, pelo que, o defensor do arguido formulará o seu pedido de questão ao Presidente, depois do Ministério Público, mas antes do mandatário dos assistentes e dos demandantes cíveis e, por outro, que a possibilidade do defensor pedir esclarecimentos por último (ou, aliás, qualquer outro sujeito processual) não invalida o exercício do contraditório, princípio constitucional- mente consagrado. o) A dita imperatividade e exaustão da indicação da ordem nos referidos normativos não decorre de qualquer elemento literal constitutivo das normas nem do sistema normativo. p) Esta ordem não reflete a natureza “tripartida” ou “tripolar” (por contraposição à bipolar) do processo penal – Ministério Público-arguido-vitima, sendo tal entendimento desconforme com os princípios e garantias constitucionais do contraditório e da presunção da inocência. q) A apresentação da ordem nas normas referidas, é uma mera transposição para aquelas normas, da siste- matização do próprio Código de Processo Penal relativamente aos sujeitos do processo, limitando-se o legislador nos artigos supra mencionados a transpor a ordem pela qual descrevera os sujeitos processuais, não pretendendo com tal transposição definir taxativa e imperativamente a ordem a que os interrogatórios referidos em tais normas deviam obedecer. r) Só este entendimento é consentâneo com os princípios constitucionais consagrados no âmbito dos direitos e garantias do arguido, e com os valores do processo penal. s) O entendimento normativo adotado do artigo 347.º n.º 1 do Código de Processo Penal pelas instâncias recorridas, poderia com facilidade conduzir a situações bizarras e estranhas à própria dinâmica processual civilística, como a seguinte: o princípio da adesão previsto no artigo 71.º do Código de Processo Penal impõe a dedução no processo penal de pedido de indemnização cível fundado no crime respetivo, fun- cionando este pedido como uma ação civil enxertada no procedimento criminal. Segundo a interpretação impugnada, o demandante cível será instado primeiro pelo defensor e só depois pelo seu próprio advogado, ou seja, primeiro o defensor contestava as declarações do demandante e, depois, o advogado deste conce- deria ao seu constituinte a possibilidade de reafirmar a matéria contestada, reformulá-la, repô-la.

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