TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
443 acórdão n.º 90/13 III. O preceituado no artigo 9.º do CC, impõe que o Tribunal, na falta de disposição expressa a regular certa questão, procure no texto das normas aplicáveis o sentido útil mais conforme à lei, à justiça e à vontade do legislador com que aquelas devem ser aplicadas à questão concreta; mas já não obriga que este esteja expresso na lei – caso em que seria desnecessária qualquer interpretação –, mas tão-somente que seja admissível face à literalidade da norma. IV. A tese sustentada pelo Arguido de que o terminus a quo da contagem do prazo para o exercício da queixa será o da data em que as vítimas, completando 16 anos, adquirem capacidade de exercício do direito de queixa, independentemente do momento em que tenham tomado conhecimento do facto e da identidade dos seus autores, conduz a uma situação perversa: o direito de queixa da vítima extingue-se quando esta adquire capacidade para o exercer. V. A única interpretação possível da disciplina do n.º 1, do artigo 115.º, do CP, é que só quando o titular do direito de queixa efetivamente o é, por estar em condições de exercer a queixa, se pode iniciar a contagem do prazo de 6 mesas previsto naquele normativo, pois antes essa faculdade não está na sua disposição jurídica sob pena de se cair no mencionado paradoxo: o direito extingue-se no momento em que nasce na esfera do sujeito. VI. Como bem nota o Acórdão em causa, a interpretação das normas aplicadas sufragada pelas decisões recorri- das sai reforçada pela consagração legal expressa que a mesma mereceu na revisão da Lei 58/2007, de 4/Set., sendo sintomático que a jurisprudência existente – vd. Acordão TRP de 15/04/2009 in www.dgsi.pt – apenas confirme a tese acolhida naquelas e não a defendida pelo Arguido. VII. Impõe-se, pois, concluir que a interpretação dos artigos 113.º n.º 1 e 3, 115.º, n.º 1 e 178.º, n.º 1 e 2, do CP, é conforme à Constituição e não viola os artigos 29.º, n.º 1, da CRP. Inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 115.º, n.º 1 do CP e 48.º e 49.º do CPP – Validade da queixa do ofendido B. VIII. Na inquirição de 25-03-2003 – fls. 2973 a 2795 – o assistente B. “(…) declara desejar procedimento cri- minal contra todos e quaisquer homens que de si tenham abusado sexualmente, incluindo-se até alguns dos quais se possa vir a recordar com mais pormenor (negrito e sublinhado nosso) IX. A inquirição não prosseguiu (…) devido ao adiantado da hora e porque se confessa já demasiado cansado e até perturbado com as recordações que se viu na necessidade de fazer, vai-se proceder à interrupção desta inquirição, marcando-se a sua continuação para amanhã. X. O ofendido em causa quando identifica o arguido como sendo uma das pessoas que dele abusaram criminal- mente na inquirição de 28-03-2003 a fls. 4005 a 4013 dos autos, não diz que deseja procedimento criminal contra a este mas sim que “Continua a desejar procedimento criminal contra os autores dos crimes dos quais foi vitima nomeadamente, o médico H., o Dr. D. e o indivíduo constante na fotografia n.º 8 do álbum de fotografias constante do processo, cuja identidade desconhece”. (negrito e sublinhado nosso) XI. Sendo pacífico que a validade da queixa não exige a identificação concreta do agente no ato em que aquela é deduzida, podendo tal ocorrer em momento posterior sem que tal tolha o exercício da ação penal, nada na lei permite a conclusão que por o queixoso, no momento em que exerce o seu direito, estar eventualmente em condições de identificar um dos agentes e não o fazer resulta afetada a aptidão da queixa para desencadear o procedimento. XII. É certo que a queixa é condição de procedibilidade, mas a tanto basta uma manifestação expressa de vontade por parte do ofendido em que o agente seja perseguido criminalmente ainda que tal manifestação não con- tenha desde logo a identificação concreta deste a qual poderá ocorrer em momento posterior. XIII. Estando em causa um crime semipúblico e tendo sido validamente apresentada a respetiva queixa antes de decorrido o prazo de caducidade o MP tinha plena legitimidade para investigar e acusar o arguido pela prá- tica dos factos pelos quais veio a ser condenado. XIV. Em face disto, não procede a inconstitucionalidade invocada pelo arguido, da interpretação normativa feita pelas instâncias recorridas dos artigos 115.º, n.º 1 do CP e 48.º e 49.º do CPP, no sentido em que a queixa,
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